Conceição Vitória Marques
Estrela de opereta, escritora poetisa. Usou os nomes artísticos de Judith Mercedes Blasco e Judith Mercedes, acabando por se fixar em Mercedes Blasco. Nas colaborações assinou, além do nome próprio e do artístico, com os pseudónimos Dinorah Noemia e Mam’selle Caprice. 
1867 Nasceu prematura a 4 de setembro, em Minas de S. Domingos, concelho de Mértola, no Baixo Alentejo, donde era originária a família materna.
Era filha de José Maria Marques, maquinista de 1ª Classe da Companhia Real de Caminhos de Ferro, e que tinha sido engenheiro naval, em Inglaterra, quando estava casado em primeiras núpcias com uma senhora inglesa.
1868
a
1874
Conceição Marques viveu em Huelva, Espanha, até aos sete anos, idade com que foi, com os pais, para o Porto.
1874 No Porto, frequentou a Escola Normal, onde terá tirado o curso do Magistério Primário e estudou língua francesa coma professora Blanche Aussenac. Tinha os lábios carnudos, daí algumas colegas dizerem que tinha “beiços de preta”, o que era reforçado com os cabelos encaracolados que ela usava curtos, e tanto os lábios como os cabelos se tornaram indicativos de beleza, em Portugal. Possuía uma voz afinada e extensa, no dizer de Eça Leal. Iniciou a careira artística, sob o nome de Judith Mercedes, no Teatro do Chalet do Porto, no papel de “Jockey” na peça Grande Avenida, adaptação da zarzuela La Gran Via, por Jacobetty. Passou para o Teatro do Príncipe Real, naquela cidade.
1888 Já conhecida, foi para o Teatro do Rato, em Lisboa, onde se estreou como nome de Mercedes Blasco, em “O Ás de Copas” (1888), revista de Ludgero Viana, música de Francisco Symaria. Voltou ao Chalet, no Porto, onde entrou nas revistas “Sem Papas na Língua” (1888), de Alfredo Fragoso e António José Alves, no papel de “Primavera”, e Niniche, vaudeville em 3 atos, de Millaud e Hannequin, tradução de Sousa Bastos, música de F. Alvarenga, papel criado por Pepa Ruiz; “Espelho da Verdade”, peça fantástica em 4 atos, arranjo de Augusto Garraio; “Os Bandidos”, de Augusto Mesquita, “Coroa de Fogo”, peça fantástica de Borges de Avelar, com música de Manuel Benjamim; “O Homem Rico de
Celorico” (1888), imitação de Gervásio Lobato e Acácio Antunes de uma peça de Feydeau.
1890 Voltou a Lisboa, para integrar o elenco da companhia do Teatro da Trindade, a convite de António Duarte da Cruz Pinto, crítico musical de O Século, quando Matoso da Câmara era gerente daquele teatro. O vencimento acordado foi de 54$000 réis por mês e um benefício. Ali se estreou, a 21 de outubro de 1890, na primeira representação de “Mademoiselle Nitouche” de vaudeville, tradução de Gervásio Lobato e Urbano de Castro, música de Rio de Carvalho; e entrou nas operetas “A Moira de Silves”, original de Lorjó Tavares e música do maestro Guerreiro da Costa; e “Colégio de Meninas”, tradução de Gervásio Lobato e Acácio Antunes.
1891 “Noiva dos Girassóis” (1891), tradução de Guiomar Torrezão, “Piparote” (1891), de Eduardo Garrido e música de Freitas Gazul; e “Miss Helyett”, tradução de Gervásio Lobato e Eça Leal, considerada, por muitos críticos, como a sua melhor criação.
1892
e
1893
Foi no Teatro da Trindade que cantou, pela primeira vez, canções francesas no género da artista Ivette Guilbert. Na época de 1892/93, esteve no Teatro da Avenida, onde criou “Diabo Elétrico”, de “O Cavaleiro da Rocha Vermelha”, mágica de Baptista Machado, música de Dias Costa. Voltou ao Teatro da Trindade, para interpretar papéis de responsabilidade na opereta “Leitora da Infanta” (1893), tradução de Eça Leal da peça “Petite Muette”, música do maestro Augusto Machado; interpretou ainda a parte musical da zarzuela “Segredo Duma Dama”, e “Fado do Amor”; criou “Brasileiro Pancrácio” (1893), opereta de costumes populares de Sá de Albergaria com música de Freitas Gazul, onde cantou fados compostos por ela e que, a pedido do público, chegaram a ser repetidos dez vezes numa sessão.
1894 Mercedes Blasco era a grande vedeta do Trindade e, nesse ano, entrou em “Sal e Pimenta”, revista em 3 atos e 12 quadros de Sousa Bastos, música de Freitas Gazul. Apesar do sucesso, quando a Sociedade Artística daquele teatro entregou, em 1894, a direção a António de Sousa Bastos, Mercedes Blasco viu em Palmira Bastos uma rival e abandonou o Teatro da Trindade.
1894
e
1895
Nesta temporada, integrou a Companhia Del Negro, no Teatro D. Afonso, no Porto, onde representou “Amazonas de Tormes”, zarzuela em 2 atos, traduzida por Passos Valente, “Uma Aventura Régia”, ópera cómica, no papel de Olivier, em travesti, e “Capitão Lobisomem”, de Lopes Teixeira.
1896 Partiu em digressão pelas províncias do norte do país. Finda a época, voltou a Lisboa, cortou e pintou os cabelos de louro, e hospedou-se no Hotel Aliança. Entrou para o Teatro D. Amélia.
1897 No teatro da Rua dos Condes, onde fez “Champignol à Força”, peça original de Georges Feydeau, traduzida por Guiomar Torrezão, e escandalizou em “O Reino da Bolha” (1897), revista de Eduardo Schwalbach, música de Freitas Gazul e Del Negro, em que entrou no palco de bicicleta e traçou as pernas em cena, para segurar a viola que tocava para acompanhar as cançonetas francesas que faziam parte do repertório. Também ia de bicicleta de casa, do Chiado, onde vivia, para o Teatro da Rua dos Condes. Integrada na Companhia de Ópera Cómica Portuguesa, a atuar no Real Coliseu de Lisboa, sob direção de Pedro Cabral, com quem Mercedes então vivia maritalmente, entrou na estreia de “O Sr. Comendador Ventoinha”, opereta de costumes populares, em 3 atos, em que apareceu também montada numa bicicleta; fez “O Harém d’El-Rei”, opereta burlesca em 3 atos, de Tito Martins, música de Freitas Gazul; criou a personagem“Flor de abril”, na primeira representação de “A Mascote” (1897), ópera cómica em 3 atos, tradução de Eduardo Garrido, música de Oudran; protagonizou “A Cossaca” de vaudeville em 3 atos de Meilhac e Millaud, adaptação de Gervásio Lobato e Eça Leal, música de Hervé; “28 Dias de Clarinha” (1897), opereta em 4 atos, de H. Raymond e A. Mars, tradução de Gervásio Lobato e Acácio Antunes, música de Victor Roger; e “Pif-Paf” (1897). Nesse ano, foi para o Pará, Brasil, na Companhia Sousa Bastos, onde ficou um mês e representou, além do seu repertório, “Simão, Simões & Ca.”, zarzuela em1 ato, tradução de José Sebastião Machado Correia; as revistas “Carvoeiros, Tim-Tim por Tim-Tim”, de Sousa Bastos, música de Plácido Stichini e “Fim de Século”, com música de Rio de Carvalho; representou “Cliquette”, opereta traduzida por ela, em colaboração com Tito Martins.
1897
e
1898
Voltou ao Teatro da Trindade e, fez parte de companhias residentes, em que figuravam os grandes nomes do teatro no feminino, tais como Ana Pereira , Palmira Bastos, Amélia Barros e Augusta Cordeiro. Passou pelo Teatro D. Amélia, onde protagonizou “Tirano da Bella Urraca” (1898), paródia de Marcelino Mesquita a “Cyrano de Bergerac”, de Edmond Rostand e, no Real Coliseu, fez as revistas “A Geringonça” e “Frades Mostenses”. Entrou em “Lobos Marinhos”, de Ramos Carrion, música de Chapin, tradução de João Soler, “O Cabo dos Forcados”, comédia em 1 ato, de Esculápio, e escandalizou em “As Farroncas do Zé” (1898), revista do escritor e jornalista Tito Martins e Baptista Machado, música de Rio de Carvalho, representando com um maillot para melhor evidenciar as poses plásticas, o que foi
considerado obsceno. Nesse mesmo ano, partiu para Madrid, na Empresa Salvador Marques e Pedro Cabral, onde se estreou no Teatro Moderno (Alhambra) e foi convidada pelo Teatro Lara, onde cantou “La Sérénade de Gillotin”, “Laissez moi Rire” e fados.
1899 No regresso, seguiu a companhia numa digressão pelo Minho, Trás-osMontes e Beiras. Em 1899, foi escriturada pela Empresa Vale, então no Teatro da Rua dos Condes, onde representou alguns dos seus êxitos, “O Poeta de Xabregas”, de Eduardo Schwalbach, e “O Sacristão de Santo Eustáquio”, de vaudeville, adaptação de Rafael Ferreira.
1900 Passou pelo Teatro da Avenida e, em 1900, pelo Teatro D. Amélia, onde criou “Princesa Encantada”, tradução de Acácio de Paiva e Esculápio.
1901 Em1901, integrou a Companhia Taveira, que acabava de chegar do Brasil, para representar, no Teatro do Príncipe Real do Porto, “O Burro do Sr. Alcaide”, ópera cómica em3 atos, de Gervásio Lobato e D. João da Câmara, música de Ciríaco Cardoso. Entretanto, ficou doente e foi substituída. A companhia regressou a Lisboa, mas os papéis que lhe estavam atribuídos noutras peças não lhe foram restituídos. Tinha esquecido Pedro Cabral; vivia, maritalmente, com o jornalista Augusto Peixoto e apareceu, em cena, grávida. Voltou a Madrid a convite do Teatro Romea, onde interpretou cançonetas francesas e napolitanas, repertório que repetiu no Teatro Marquez, de Cartagena.
1902 Na época de 1902/1903, fez parte da Companhia Luís Ruas, na opereta “A Revolucionária”, tradução de Xavier Marques, e entrou na revista “À Procura do Badalo”, de Baptista Dinis, música de Miguel Ferreira que, ao fim de setenta e cinco representações, foi considerada obscena e obrigada a mudar o título para “Num Sino”. Ali fez benefício com “Pátria”, original de Tito Martins, música de Oliveira Gallo. Depois passou para a Empresa Portulez, no Teatro da Rua dos Condes, para representar nas peças “Chico Banzé”, “Chico da Carola”, “Cançonetas”, onde cantou produções francesas, “Cem Mil Diamantes”, opereta fantástica de Sousa Rocha, “Entre as Mulheres”, de Celestino da Silva, “O Solar dos Barrigas”, ópera cómica, em3 atos, de Gervásio Lobato e D. João da Câmara, música de Ciríaco Cardoso.
1908 Nova digressão pelo Brasil teve início em 1908, após a qual Mercedes se dirigiu diretamente a Paris, dando início a uma longa temporada no estrangeiro representando em França, Itália, Reino Unido e Bélgica, e instalando-se neste último país com os dois filhos e o então marido Remi Ghekiere, um engenheiro belga.
1909 O jornal “O Século”, informava que Mercedes Blasco tinha tomado parte, em Paris, numa festa promovida por Julieta Adam, a famosa Madame Lambert, em favor dos sobreviventes do abalo de terra ocorrido a 23 de abril de 1909, no Ribatejo, e que teve tal sucesso que a família imperial russa, então em Paris, a convidou para cantar no seu palácio. No dia 2 de junho de 1909, a atriz exibiu o seu repertório de canções espanholas, francesas e napolitanas, cantadas nos respetivos idiomas, e fados portugueses, acompanhados por ela à guitarra, perante o grão-duque Paulo e a esposa, as princesas de Yourlevsky e Lobanoff, a marquesa de Montbello, a grã-duquesa Maria de Saxe Coburgo-Gotha e a princesa Beatriz, da Casa Imperial da Alemanha, entre outras personalidades. Diz o mesmo jornal que foi muito aplaudida e convidada para cantar, em Madrid, nos já anunciados esponsais da princesa Beatriz com o príncipe Carlos de Bourbon. Atuou em Itália, na Holanda e na Bélgica, onde afirmou ter cantado “A Mascote” no Teatro Real de Liège.
1914 Durante a Grande Guerra, Mercedes alistou-se como enfermeira da Cruz Vermelha, em Bruxelas, e tratou e prisioneiros de guerra portugueses, doentes, em Liège (1918). Casou com o engenheiro eletricista belga Remi Ghekiere. Teve dois filhos, Stelio que morreu em Liège, a 3 de setembro de 1917, quase à fome, e ficou sepultado no Cemitério Robermont, na mesma cidade, e Marcel (ou Marcelo) que voltou com ela para Lisboa, já muito doente.
1918 Aqui, tentou o teatro, mas as ousadias artísticas que a tinham tornado célebre, não se coadunavam com a Mercedes envelhecida que tinha regressado e não foi bem recebida nos poucos teatros que lhe deram trabalho.
1920 Vivia com muitas dificuldades e, em agosto de 1920, o senador Júlio Ribeiro apresentou no Parlamento um projeto de lei em que propunha a atriz como societária do Teatro Nacional, uma forma de pagamento pelos serviços prestados aos nossos soldados como enfermeira de guerra. O projeto era apoiado pelo gerente do teatro, que lhe deu um pequeno papel numa peça para justificar a entrada na Sociedade Artística do Teatro Nacional, e pela imprensa. Era uma situação que lhe permitiria, mais tarde, obter uma reforma do Cofre de Subsídios e Reformas da Sociedade Artística do Teatro Nacional, de que beneficiavam os atores do mesmo teatro. A notícia da entrada de Mercedes Blasco para o Teatro Nacional causou alguns embaraços relacionados com a única vaga que havia e que era muito disputada. Ainda se elevou o número de vagas de 18 para 19, mas os problemas levantados levaram a Sociedade Artística a propor Irene Grave para o lugar. As vozes discordantes lembravam que Mercedes Blasco nunca fizera teatro declamado e recordavam as atitudes da atriz em palco, vistas como ousadas, para inviabilizar a entrada da atriz. Embora a imprensa movesse uma campanha a favor de Mercedes, a decisão estava tomada. Dedicou-se então a escrever, colaborando em revistas e jornais, chegando a participar nas Conferências Teatrais de Arte, organizadas pela Associação de Classe dos Trabalhadores do Teatro, com uma comunicação subordinada ao tema “Duas Qualidades Magnas do Artista Dramático”. Foi a primeira atriz portuguesa a escrever as suas memórias, ainda jovem.
1922 Nos últimos meses de vida do filho, viviam ambos duma pequena pensão que o governador civil de Lisboa, Viriato Lobo, concedeu ao pequeno. A 13 de junho de 1922, Marcelo faleceu, vítima de tuberculose, e foi sepultado no compartimento municipal n. 298 do Cemitério dos Prazeres. Mercedes passou a viver da pensão que Filipe Mendes, então o governador civil de Lisboa, lhe manteve e aumentou a título de recompensa pela publicação dos artigos que escreveu sobre casas de caridade, publicados na “Ilustração Portuguesa”. Manuel Marques, dono de uma pastelaria do Chiado, ajudava não cobrando pelas refeições e outras compras que ela fazia. Dedicou-se à escrita, publicando um conjunto de obras que constituem, no geral, a continuação do livro Memórias de Uma Atriz (1907). Em 1922 inseriu, em “Vagabunda”, um capítulo que denominou “Um pouco de feminismo” em que advogava a favor a emancipação cultural e económica feminina, o sufrágio universal, a partilha de poderes entre géneros, a valorização da mulher enquanto esposa e mãe, contra o divórcio, a dissolução dos lares e a ilegitimidade dos filhos.
1925 Ainda entrou na peça “A Intrusa”, de Luna de Oliveira. Como não tinha possibilidades de continuar a pagar as quotas do Cofre de Subsídios, requereu a devolução das quantias pagas, já que, não trabalhando no Teatro Nacional, não tinha direito à reforma. As dificuldades económicas perturbaram-na e, um dia, fugiu do cubículo em que vivia e deambulava pela cidade quando a polícia a encontrou e internou na Mitra, até que familiares e amigos a foram buscar.
1961 Faleceu a 12 de abril, aos 94 anos, em casa de Alberto Bartisol, na Travessa do Rosário, n. 6, em Lisboa, onde a tinham recolhido havia mais de um ano. Era o fim trágico de uma atriz a quem Albino Forjaz Sampaio classificou de poetisa muito culta, de sensibilidade privilegiada e raffinée, com alma de artista, e Pedro Cabral afirmou ser a única mulher de espírito que conheceu. Acompanharam-na, no velório e no funeral, as sobrinhas Libânia Anjos, em cuja casa residiu, Isabel Maria Anjos Santos, Ivone Amélia Anjos Sá, Maria Mercedes Anjos Fragoso, Aurora Anjos, Maria de Lourdes Anjos e os sobrinhos José Marques Anjos, João Marcelo de Almeida Anjos e José Maria Marques. Foi sepultada no talhão dos Artistas Teatrais, no Cemitério dos Prazeres.
Nota: A biografia de Mercedes Blasco encontra-se em revisão,
como tal é possível que existam pontualmente algumas
imprecisões ou lapsos, que serão corrigidos em breve.