Extracto de paisagem por Bulhão Pato

Ano: 
1871
Autor: 
Bulhão Pato
Descrição: 

Extracto de Paizagens por Bulhão Pato em 1871

(...)Não queríamos regressar a Lisboa sem visitar a famosa mina de S. Domingos, que figura hoje entre os principaes estabelecimentos mineiros da Europa. Ao romper da manhã do dia combinado atravessámos o rio. subimos a pé a íngreme ladeira, e, entrando depois no carro, seguimos por um caminho agreste e solitário, até à serra que fica a trez leguas ao nascente de Mértola. Grandes chapadas de malte maninho, aqui e além algumas terras de lavradio, oiteiros pedregosos, e, lá de vez em quando, para alegrar a vista, a verdura dos montados.

Á sombra de um sovereiro, perdido, no meio das planuras escalvadas, almoçámos. O calor era intenso, e o vehiculo um carro do Alentejo, com quantos aperfeiçoamentos se podem fazer n'aquelle instrumento, que é sempre um instrumento de supplicio. Ás duas da tarde, sobre um alto, no meio daquelles ermos, descobrimos uma agglomeração de casinhas brancas, e alguns edificios maiores. Era a nova povoação de S. Domingos, que a industria moderna improvisara sobre penedias escalvadas, como muitos seculos antes a industria romana ahi tinha estendido o seu braço civilisador. Procurámos um empregado, Mascarenhas, a quem vínhamos recommendados. O nosso hospede recebeu-nos de braços abertos. Em 1858, como diz o meu amigo Neves Cabral, engenheiro de minas, no seu excellente relatorio, daquellas paragens apenas se via a ermidinha de S. Domingos. Hoje esta apenas se distingue entre as numerosas edificações que constituem a povoação mineira, composta de mais de trezentos fogos, com uma bela egreja, casa para escola hospital, palácio da empreza, laboratorio, sala de desenho, theatro, casa de philarmonica, casa de recreio com bilhar e gabinete de leitura, hotel, cavallariças, e officinas apropriadas para todo o genero de serviços.
Todos estes edifícios, construídos em seis anos, estão assentes em torno das escavações antigas, que seguem alinhadas a crista da serra. Citarei n`alguns pontos, o relatorio: «Os trabalhos mais profundos estão a 12 metros abaixo da galeria de esgoto; galeria romana ou 90 metros abaixo da superfície. Acima deste andar ou piso ha 12 metros abaixo da mesma galeria.
A extracção tem logar por galerias inclinadas, que comunicam os dois andares com a superfície; e o transporte è feito em wagons puchados por meio de um malacate de cavalgaduras no tunel do andar superior e em zorras puchadas por muares no tunel do andar inferior. Um caminho de ferro communica a mina com o Pomarão, que fica á distancia de 18 kilometros.
0 porto do Pomarão não existia fez-se.
As margens do Guadiana foram rasgadas, e formou-se o espaço necessario para as diversas vias de resguardo do caminho de ferro, para deposito do mineral, para casas de habitação, escriptorios e armazens. Um excellente caes reveste em grande extensão a margem, e a elle encostam os numerosos navios de vela e a vapor que alli vem receber carga. Um vapor da empreza anda constantemente em viagens, entre o Pomarão e a barra de Villa Real de Santo Antonio, dando reboque aos navios de vela, quando fallece o vento de feição. São 8 leguas de rio, onde até 1859 se ouvia apenas o som compassado e monotono dos remos de algum batel.»
Aqui estão alguns traços, rápidos, com que um homem competentissímo descreve a mina de S. Domingos. (...)