Mina de São Domingos-Visita de Cavaco Silva

Ano: 
2006
Descrição: 

Na agora exaurida Mina de São Domingos, nem todos são como o senhor António Marciano Barão, que não pára

Mina de São Domingos

ONDE O PRESIDENTE PASSOU DE RASPÃO

Nos anos 60, quando a exploração mineira foi desactivada, é como se toda a povoação se tivesse desactivado com ela. Cavaco passou para lá e para cá, a caminho dos bons exemplos. A Mina não sabe o que fazer com os seus idosos. Por Kathleen Gomes

A Mina de São Domingos não viu Cavaco, nem Cavaco viu a Mina de São Domingos. A comitiva do Presidente passou de raspa, para la e para ca, e fechou-se numa sala da estalagem de cinco estrelas de São Domingos, em reunião com autarcas.

É verdade que Cavaco tinha avisado: este é um périplo para "evidenciar o que se está a fazer bem, não o que está a correr mal" A Mina de São Domingos já foi a vanguarda do progresso no concelho de Mértola, com hospital, teatro, court de tenis e "a primeira terra" da região "a ter luz", lembra Idália, 65 anos. Mas só este ano se poderá orgulhar de ter saneamento básico, e as ruas, em grande parte, continuam a ser pó e pedra. O que aconteceu? A exploração mineira foi desactivada nos anos 60 e é como se uma povoação inteira - que chegou aos milhares e hoje não chega ao milhar - se desactivasse com ela.

Com uma população maioritariamente envelhecida, os idosos voltaram literalmente a escola: a associação dos reformados instalou-se no piso térreo da antiga escola primaria, com sala de leitura (vazia) de um lado, e bar (meia dúzia de mesas quase lotadas) do outro. Na velha cantina, um edifício nas traseiras, um grupo de mulheres, sobretudo idosas, ocupa-se com trabalhos manuais. É aqui que as encontram, ás segundas e as sextas: pelo menos duas vezes por semana, elas estão "entretidas".

A Mina não sabe o que há-de fazer com as mais novos "Há muitas pessoas que querem vir para ca; o problema é o trabalho", isto é, a falta dele, afiança Sara Ribeiro, 23 anos, filha da terra a Mina não sabe o que há- de fazer com os mais velhos. "O senhor Presidente devia vir aqui para a gente pedir um lar de terceira idade", reivindica Guilhermina, de 74 anos, viúva há sete. Cavaco não virá, responde-se. Se Maomé não vem à montanha, a montanha também não irá a Maomé, "Olhe: ele não vem, mas a gente também não vai."

Cinco finalistas do Instituto Superior de Serviço Social de Beja, a estagiar na Câmara Municipal de Mértola, traçaram o diagnóstico social da Mina de São Domingos, apontando três problemas: isolamento, más condições habitacionais e falta de dinamização dos idosos, que representam 60 por cento da população. Estabeleceram este último como prioridade e são eles que vem aqui, duas vezes por semana, ensinar trabalhos manuais às mulheres. É um projecto com fim à vista: dentro de duas semanas, o estágio dos cinco termina, e a ocupação dos tempos livres destas mulheres dependerá da boa vontade de mais alguém. Para já, a nivel de apoio social, a Mina vai dependendo de esforços modestos da autarquia, em conjunto com entidades públicas como a Segurança Social ou a Santa Casa da Misericórdia. Dá para "tapar o fogo", como diz António Simão, do Programa Rede Social do concelho de Mértola mas faltam linhas de reforço financeiro-traduzindo: dinheiro a sério para se actuar a nível estruturante. As candidaturas a programas nacionais têm sido recusadas. Simão nota que na Mina há uma vintena de pessoas que dependem do Rendimento Social de Inserção.

"Não são todos como o Marciano, que anda sempre de um lado para o outro", diz Sara Ribeiro. "O Marciano é a excepção." António Marciano, 72 anos, é um solícito ex-mineiro que faz visitas guiadas a quem vem de fora. Trabalhou onze anos no fundo da mina -"lá em baixo é outro mundo" e quando ela fechou definitivamente foi para Lisboa, ganhar a vida. Voltou há dez anos, já reformado, apesar de "nunca pensar cá voltar". Mas foi pagando a renda da sua casa na Mina, um dos muitos lotes de 16 metros quadrados que os mineiros habitavam. A Casa do Mineiro, um pequeno museu que reconstitui, com aprumo, a assoalhada única que alojava os operários e as suas famílias, deverá abrir em breve. A empresa que explorava as minas, e que também é proprietária das casas dos mineiros, tem vendido, nos últimos anos, as habitações aos seus residentes, a preços entre 35 e 45 euros o metro quadrado. Ao senhor Marciano falta comprar metade da casa: já vive no dobro do espaço - uns 32 metros quadrados, mas tem de atravessar a curta rua para Ir da cozinha aos quartos. Até a sala onde Cavaco se reuniu com os autarcas na estalagem local parece maior.