Um passeio de Mértola ao Pomarão e à mina de S. Domingos 1860

Ano: 
1860
Descrição: 

UM PASSEIO DE MÉRTOLA AO POMARÃO E À MINA DE S. DOMINGOS 1860
Embarquei, a 10 de julho, sobre as aguas do Guadianna-eram 5 horas da tarde. O sopro das brisas, que brincavam fagueiras sobre a superficie das aguas enfraquecia consideravelmente, a intensidade dos raios do sol, que, n`esse dia, dardejou forte e abrasador, e ao cantico alegre dos tripulantes e ao melodioso murmurio da corrente, seguiamos viagem feliz e rapida, favorecidos pela vela, e pela vasante da maré. Quando o sol ia a esconder sua fronte magestosa nos confins do horisonte, e seus ultimos raios, já frouxos e trementes, apenas allumiavam o cimo dos mais altos montes, chegámos ao sitio do Pomarão. Havia um anno que tinhamos visto aquelle local; era então um deserto; hoje não parece o mesmo sitio! a animação e a vida haviam substituído a solidão e a morte, e o lugar que, por longos seculos, fôra abandonado ao capricho da naturesa, acha-se hoje transformado, com rapido incremento, n'um delicioso jardim de encantos.

Os primeiros objectos que por alguns momentos me prenderam a vista foram quatro fragatas e quatro brigues estrangeiros, alem de um grande numero de barcos de pequena lotação, que se achavam à carga, surtos no rio. Todo este nautico apparato, e suas respectivas tripulações; uma povoação nascente e satisfeita da sua sorte; o sussurro d`um povo laborioso; as alegres canções dos trabalhadores—eis o que me occupou a attenção durante todo o crepúsculo d`aquella tarde de saudosas recordações.

Chegou a noite; as brisas haviam deixado de bafejar a terra com seus sopros consoladores. Sobre a athmosfera, limpidez e serena, não se via uma nuvem, as estrelas scintilavam no firmamento com magestoso brilho-dissereis que; na ausencia do astro das noites, aqueles globos, replandecentes de luz haviam sido colocados no firmamento, para obstar á completa escuridão. Pernoitei a bordo, e depois de ter tomado uma leve refeição seriam nove horas, entregue o pensamento ás agradaveis impressões recebidas durante a tarde, conciliei o somno eram onze horas.

Acordei ao despontar da aurora. Começava a descerrar-se o veu triste, e sombrio em que a noite tinha envolvido o horisonte, e a voltar a alegria poetica, e festival que traz comsigo a aproximação do rei dos astros: Dirigi as minhas orações ao creador do universo, e, em seguida, desembarquei, e comecei a observar, minuciosamente, tudo quanto aquellles lugares me offereciam de mais notavel. Vi a povoação que, como disse, havia pouco tempo tinha começado e de que vou dar uma breve discripção:o caes do embarcadouro é de taboado, assente sobre estacaria; logo ao subir encontram-se duas fontes; uma acha-se fechada a cadeado, da outra vi brotar agua cristalina. Em seguida offerece-se á vista um abarracamemto, que é habitado por differentes classes: artistas, operarios, e especuladores de todas as especies de vendagens. Ao lado direito elevam-se sobre a terra collossaes pilhas de tabotado, e de barrotes de pinho, que surprehendem e admiram, pelas suas enormes dimensões, o viajante, que ignora o seu destino. Para a direita, e em lugar mais elevado, sobresahem dois quarteirões de casas, e armazens, habitados por grande numero de individuos, e abundantemente providos da viveres. Na parte superior d'estes predios acham-se collocados, em grande abundancia, materiaes e utencilios para grandes obras, vendo-se, na parte inferior, dois fornos de coser pão. Á esquerda, e no centro do abarracamento vêem-se algumas casas já construidas e outras que começam a edificar-se. Para o lado do oeste, e na distancia de uns 50 metros nota-se em lugar elevado, e assomando para o rio, o começo da construcção d'um predio abarracado, de grandes dimensões, e valioso trabalho, mas d`um risco pouco vulgar: naturalmente é gosto inglez.
Diz-se ser destinado à pouzada do fundador D. Diogo de Mason.