17-3-1968 MINA DE S. DOMINGOS:
DIÁRIO POPULAR
«Então vai deixar-se morrer esta terra?)
BEJA
A setenta quilómetros da capital do distrito (Beja) dezoito da sede do concelho (Mértola), ali quase na raia de Espanha, uma povoação, outrora próspera como poucas no Alentejo, viu-se, de um momento para o outro, face a um destino com verdadeiros laivos de tragédia que os homens, por incapacidade ou por negligência, ainda não souberam (alguma vez saberão?) contrariar. É Mina de S. Domingos, a terra condenada.
Quando se volvem os olhos para o passado, sem ser necessário recuar muito no tempo, mais só acentua o panorama desolador que aquele lugar mineiro da freguesia de Corte Pinto nos oferece agora. No concelho, afora a vila-sede, S. Domingos foi a primeira localidade a ter energia eléctrica pública e particular (abastecimento há meses interrompido por falta de pagamento à companhia distribuidora), hospital razoavelmente apetrechado, cinema e, até, um clube de futebol disputando provas ao nível nacional. Ali também se instalou a primeira central telefónica automática particular no País e, por iniciativa da empresa concessionária da exploração mineira, foi montada a primeira linha de caminho de ferro a seguir à de Estado e construiu-se, pela primeira vez, uma locomotiva portuguesa.
Hoje o comércio, cheio de dívidas e vazio de esperanças em melhores dias, reduz-se a sua expressão mais simples e dolorosa. Os homens válidos, esses, partiram há muito em demanda do estrangeiro ou de centros industriais do Continente. Dos seis mil habitantes existentes dez anos atrás, restam menos de dois mil, Os que ficaram são velhos mineiros, de faces enrugadas e macilentas, abandonados de si mesmos já incapazes de morrer sem os olhos na paisagem agreste em que vieram à vida. Se os puxamos à fala, entreolham-se e lamentam-se num encolher de ombros de quem não tem mais remédio se não conformar-se com os baldões da sorte. Os seus protestos ninguém os escuta, aos seus gritos ninguém responde a terra, por si só, esgotada por dentro e árida por fora, nega-se terminantemente ao milagre em que quase todos, durante muito tempo, teimaram em acreditar: o filão de pirite mais minério para revolver. A mina, o motivo da sua prosperidade; a mina, a razão da sua agonia. Mais do que o espectro, a própria miséria que surge. (...)
Noticia 1968-Então vai deixar-se morrer esta terra?
Ano:
1968
Editor:
Diário Popular
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