VISADO Pela Comissão de Censura-Ferreira de Castro 1929

Ano: 
1929
Editor: 
Jornal O Século
Descrição: 

VISADO Pela Comissão de Censura
SECULO

e, desde que o mineiro tenha Família-e quasi todos eles a têm e numerosa, ali, onde a mulher é a unica distracção e o filho a unica razão de tantos sacrificios, Afinal envenena-os suga-lhes as ener glas,rouba-lhes, a pouco e pouco, a vida e quas não lhes dá de comer.Mas isto é outro aspecto do drama, é motivo para explanar e documentar noutra crónica. Os personagens quasi mão se apercebem dos elementos dramaticos que levam em si. Lá caminham, resignados e submissos, na cabeça o chapéu de cartão. no peito a lanterna, definhado rosto e amortecido o olhar, para a boca da mina. Aquilo dura ha quasi cem anos e passa de pais para filhos, como um rito barbaro, como um anatea, como uma maldição.
-Se saem da mina, e certo que, meses ou anos depois, voltam choram para que, de novo, os admitanos ao serviço disse-me, mais tarde, um inglês, e, de facto, assim é, em muitos casos. Eu sigo atrás deles, tomo-lhes, depois, a dianteira e vou postar-me em cima, no planalto, onde está o hospital, para
os ver entrar. Já deram onze horas da noite. O novo turno entra as onze e meia, e a inaquina, como uma obsessão, continua nos seus arquejos, La em baixo, aos meus pés, está a bo carra do tunel que dá acesso a um dos poços po onde se desce para as galerias da mina.
Sobre o tunel ha uma ponte e nesta se encontra a policia. Eu ja se que não ha, ali, facil entrada para mim. Contudo, iludo-me, andag espero, pois, que no dia seguinte, durante a entrevista que vou ter com a direcção da mina, esta
sorria das acusações que lhe fazem e me diga: -E tudo mentia A mina oferece a maior segurança. vêr com os seus, olhos. A entrada è livre!
E nessa esperança me quedo, lá no alto, a contemplar a chegada dos mineiros. De todos os pontos do povoado caminham agora para a boca do tunel inumeras lanternas, užes que ardem na noite, que formam cortejo, um cortejo que serpenteia e que se aproxima cada vez mais. A procissão das velas, em Lourdes, tem mais imponencia, mas menos misterio. São cem, são duzentos, são trezentos, são, por tim, quatrocentos homens que vêm reunir-se à bocarra do tunel e lançar, muito acima das suas cabeças pela Junção de todas as lanternas, um intenso fulgor.
Onze horas e meia, Toca uma sineta, e todo o rebanho mergulha nas entranhas
da terra, para só voltar á superficie no dia seguinte quando o sol queima á ais charnecas do Alentejo.
Ferreira de Castro
A SEGUIR: «Os mineiros de S Domingos contentam-se com um pouco mais de pão e de respeito pelas suas vidas».