ROTEIRO MARITIMO DA COSTA OCIDENTAL E MERIDIONAL DE PORTUGAL-GUADIANA 1889

Ano: 
1889
Descrição: 

ROTEIRO MARITIMO DA COSTA OCCIDENTAL E MERIDIONAL DE PORTUGAL

POR A. A. BALDAQUE DA SILVA
1º tenente da armada
MANDADO PUBLICAR PELO MINISTERIO DA MARINHA E ULTRAMAR
TOMO PRIMEIRO
Parte comprehendida entre o cabo de S. Vicente e o rio Guadiana
EDIÇÃO ILLUSTRADA COM MAPPAS E GRAVURAS

LISBOA

IMPRENSA NACIONAL

1889

RIO GUADIANA

A E. de Monte Gordo desagua o rio Guadiana, unico da costa meridional do paiz que forma uma bacia hydrographica independente.

Nasce nas lagoas de Regdera, atravessa as provincias de Ciudad Real e Ba dajoz, onde começa a servir de limite a Portugal até Monsaraz; corta a parte oriental do Alemtejo até ao Pomarão e de novo förma o limite do reino até á sua foz.

Tem 700 kilometros de curso, dos quaes 207 em Portugal; começa a ser navegavel em Mertola pelo espaço de 66 kilometros, e do Pomarão para baixo, na extensão de 48 kilometros, presta-se para a navegação dos navios de grande lote.

Em Portugal banha Juromenha, Mertola, Pomarão, Alcoutim, Castro Marim e Villa Real de Santo Antonio, formando em frente d'esta villa um excellente porto fluvial, que é o melhor de toda a provincia. Na margem direita tem por affluentes:

1. Xevora. Nasce na serra de S. Mamede, entra em Hespanha, e banha se gunda vez uma parte de Portugal, passando por Ouguella.

2. Caia. Nasce na serra de S. Mamede e corre junto a Arronches. 3. Degebe. Nasce nas alturas de Divor. Recebe a ribeira Pardiella, que desce da serra de Ossa.

4.º Cobres. Começa nas alturas de Almodovar, e corre junto a esta villa; junta-se-lhe o rio Terges, que começa no plano alto de Castro Verde.

5.° Oeiras. Nasce na serra de Mù, na cordilheira do Algarve, e termina pelo S. junto a Mertola. 6.° Vascão. Nasce na serra do Almirante, e termina entre Pomarão e Alcoutim, formando o limite das provincias do Alemtejo e Algarve.

7. Foupana e Odeleite. Nascem nas serras de Querença e Alcaria, e juntas entram no Guadiana.

Na margem esquerda: 1.º Ardilla. Nasce em Hespanha e termina ao NW. de Moura.

2. Chança. Nasce em Hespanha na serra de Aroche, e termina junto ao Pomarão, formando o limite do reino até Ficalho. Entre Alcoutim e a ribeira de Odeleite ficam sobre a margem direita as pequenas povoações de Moutinho, Laranjeiras, Guerreiros, Alamos e Foz de Odeleite.

BARRAS DO GUADIANA

A entrada do rio Guadiana é muito obstruida por bancos de areia que deitam fora até cerca de 2 milhas da costa; entre estes bancos porém existem canaletes mais profundos que dão accesso aos navios, cujos calados de agua não excedem em aguas vivas 15 pès e meio, e em aguas mortas 12 pés. A forma e extensão dos bancos é muito variavel, concorrendo em grande parte para esta variação as intensas correntes das aguas das cheias que saem o Guadiana, attingindo bastantes vezes 8 a 10 milhas de velocidade por hora, e tendo subido em uma cheia extraordinaria a 13 milhas.

Ainda assim ha entre os bancos duas passagens menos sujeitas a variações que constituem as barras, tendendo uma a melhorar e a outra a diminuir de profundidade; a primeira denomina-se Canal da Gollada e a segunda barra grande ou barra antiga.

Canal da Gollada. -A 0,6 de milha da costa comprehendida entre o Médo Gordo e a ponta de Santo Antonio, corre ao N. 75° E. na extensão de 0,7 de mi lha um canal, quasi parallelo à costa, que tem pelo N. um extenso baixo, for mado por dois bancos nos extremos occidental e oriental, denominados: o de W. banco das Almas e o de E. o Bril; e pelo S. um outro baixo, orientado quasi E.-W. a que chamam ponta do Bril.

Boias da Gollada. -O baixo do N. è assignalado no seu limite S. por tres boias pintadas de encarnado, uma collocada no extremo do banco das Almas, outra no extremo do Bril, e uma intermedia.

O baixo do S. é tambem marcado por duas boias pintadas de verde, uma no extremo occidental da ponta do Bril e outra na parte oriental do baixo, limitando-o para o N.

Para demandar o Guadiana pelo ca nal da Gollada è necessario navegar en tre as boias até à boia encarnada do extremo do Bril, e depois deitar para o N., contornando este banco até à ponta de Santo Antonio; d'aqui para cima segue se parallelamente á margem direita até ao fundeadouro".

A menor profundidade da Gollada é de 1,5 entre as boias encarnada e verde. da embocadura de W.; augmenta para E. a 2, 3, 4 e 5 metros junto da boia encarnada do extremo oriental; para cima varia entre 4,2 e 7 metros E.-W. com a ponta de Santo Antonio.

Emquanto não se realisar a projectada balisagem do canal da Gollada para de dia e a collocação das luzes de direcção para de noite, e indispensavel tomar piloto a fim de demandar esta barra, pela qual actualmente se faz quasi toda a navegação.

Barra grande ou barra antiga.-Ao SSE. da ponta de Santo Antonio até 1,5 milha de distancia, corre um outro canal. que recurva para o S. e SSW. por espaço de mais 0,5 de milha, o qual constitue a barra grande ou barra antiga por estar presentemente abandonada pela navegação, em virtude de ser mais extensa e menos profunda.

O canal da barra grande è praticado entre os baixos da ponta do Bril e Ca beça do Gigante, a W; e o Cabeço e bancos de E. ao nascente; tem 0,9 de profundidade no ponto mais baixo da entrada, e augmenta para dentro a 3 e 5 metros.

Para demandar o canal da Gollada de noite, estão projectadas duas luzes de 6. ordem na margem esquerda, uma branca na ilha de Canellas, outra vermelha nas collinas proximas de Ayamonte, para darem o 4. alinhamento: duas luzes vermelhas, com anteparas do lado do mar, collocadas na margem direita, para o 2.º alinhamento, e uma hiz verde para o 3.º alinha mento e ancoradouro de Villa Real.
A entrada da barra é determinada de noite pelo enfiamento de duas luzes vermelhas collocadas na ilha de Canellas em Hespanha, e a direcção do canal para cima é dada pela luz branca de um pharolim, situado em um médo de areia. um pouco ao S. de Villa Real de Santo Antonio, denominado o Médo Alto, e que fica em 37°.11.20,62 N. e 1°.43.12",13 E. de Lisboa, ou 7°.24.43",71 W. de

Greenwich. Pelo S. d'este pharolim ha uma parede elevada com um mirante em cima. que serve para occultar a luz do pharolim fóra do alinhamento do canal¹. Os signaes do movimento da barra do Guadiana vão representados no quadro de paginas 91.

VILLA REAL DE SANTO ANTONIO

Ao N. do Médo Alto, a 4 milha de distancia da foz do rio Guadiana, fica edificada ao longo da margem direita, sobre o areal, a villa denominada Villa Real de Santo Antonio, com 4:200 habitantes.

Esta villa é muito importante pelo seu movimento commercial, industria e pescarias; concorrendo para a sua importancia o excellente porto que tem, e as relações e communicações faceis que possue com as provincias do Alemtejo Andaluzia.

A media dos ultimos dez annos até 1844 inclusive dá um movimento maritimo annual de 390 navios entrados com 107:358 toneladas *.

Em 1884 havia 116 embarcações de pesca matriculadas na capitania do porto com 203 tripulantes; e eram 26 as artes de pesca com um pessoal de 495 pescadores registados na repartição maritima.
O valor do pescado nos ultimos dez annos até 1844 inclusive foi de réis 1.597:574$000 réis; sendo no anno de 1884 o valor maximo de 211:587$090 réis.

Ha em Villa Real de Santo Antonio uma capitania do porto com jurisdicção maritima sobre o litoral do concelho do mesmo nome na costa do mar, e o litoral dos concelhos de Villa Real de Santo Antonio, Castro Marim, Alcoutim e Mertola na margem direita do Guadiana.

Existe uma direcção de correio, e uma estação telegraphica de serviço permanente de dia e noite para dentro do reino; e uma estação telegraphica do cabo submarino para Gibraltar. Possue tambem uma delegação de 1. classe da alfandega maritima de Faro.

E ultimamente foi construido no areal ao S. da villa um lazareto para quarentenas de observação.

PORTO DE VILLA REAL DE SANTO ANTONIO

Desde a foz do Guadiana até um pouco a montante da villa, proximo da mar gem direita, encontram os navios bom ancoradouro em 6 e 7 metros de profundidade.
Estas luzes são todas modificadas no novo projecto. 2 Não foi possivel obter o valor da carga para este porto.
Em geral, a corrente de vasante varia entre 4 e 3,5 milhas de velocidade por hora; durante as cheias porém é muito intensa, attingindo algumas vezes 8 e 10 milhas.

O estabelecimento do porto é ás 2.4m.

Maxima amplitude da maré 3,50, e a minima 0,80.

FUNDEADOURO FÓRA DA BARRA

Aguardando a hora de maré para entrar a barra, e mesmo para receber piloto, costumam os navios fundear a W. das boias da entrada da Gollada em 7 metros de profundidade, marcando o Médo Alto ao N. 24° E. e uma torre que fica sobre a ilha de Canellas ao N. 56° E. Podem porém fundear mais fóra e para W., porque é tudo limpo.

N'esta posição costumam tambem os navios que transportam o minerio, effectuar o carregamento para completar a carga, quando na barra não ha altura de agua sufficiente para o seu calado".

Fóra da barra grande podem os navios largar ferro em chegando aos 15 me tros de profundidade, marcando a serra Gorda pelo forte de Cacella e a Córte Velha, descoberta pela igreja das Angustias em Ayamonte.

DECLINAÇÃO MAGNETICA

A declinação magnetica em Villa Real de Santo Antonio, referida a janeiro de 1866, é N. 17º.35' W.

PILOTAGEM DA BARRA E RIO GUADIANA

O minimo de pilotagem que tem a pagar qualquer embarcação nacional ou estrangeira, incluindo as de pesca e costeiras, que voluntariamente pedirem pilotos, por entrada ou saida da barra, é de-1$000 réis.

E o maximo 7$500 reis.

Todas as embarcações nacionaes ou estrangeiras, seja qual for o seu apparelho ou motor, que medirem até 150 metros cubicos, cada metro-30 reis.
De 150 metros para cima, cada metro a mais-10 réis.
Quando ficar o piloto a bordo, vence, alem da ração, cada dia - 800 réis. A catraia ou barco competentemente guarnecido, que for empregado no serviço de qualquer embarcação na entrada ou saida da barra, em circumstancias ordinarias, vence, por trabalho que não exceda a um dia 1$000 réis.
Quando exceda a um dia--1$200 réis.
A catraia ou barco que prestar, em circumstancias de mar e vento rijo, o serviço anterior, vence-2$400 réis.

*Está projectada para W. da ponta de Santo Antonio um pharol de costa de segunda or dem; luz de clarões grupados dois a dois; horisonte maritimo de 167; com 11,5 a 22,5 milhas de alcance.
A paga de pilotagem no rio, desde o ancoradouro em frente de Villa Real de Santo Antonio, até Mertola, ou vice-versa è a seguinte:
Minimo que paga qualquer embarcação nacional ou estrangeira-2$400 réis.
Maximo-7$500 réis. Toda a embarcação nacional ou estrangeira, seja qual for o seu apparelho ou motor, até 150 metros, cada metro -30 réis. De 150 metros para cima, cada metro 10 reis. O pagamento das pilotagens dentro do rio, desde o ancoradouro até Alcon tim, ou vice-versa, será dois terços do que se pagar até Mertola.
A paga ao piloto empregado em trabalhos extraordinarios em qualquer ponto do rio, e quando não exceder a um dia 1$200 réis.
Cada dia que exceder 800 réis. A catraia para serviços no rio, não excedendo a um dia-1$600 réis.. Cada dia a mais-1$200 réis.

POPULAÇÃO

A parte da provincia do Algarve com prehendida entre o meridiano que passa pelo cabo de Santa Maria a W. e o rio Guadiana a E. abrange os cinco concelhos de Alcoutim, Castro Marim, Olhão Tavira e Villa Real de Santo Antonio.

O concelho de Alcoutim compõe-se de: Alcoutim, 2:711 habitantes; Giões, 1:189; Martim Longo, 2:309; Pereiro, 1:052; e Vaqueiros, 1:586. Total 8:847.
O de Castro Marim: Azinhal, 1:443; Castro Marim; 3:980; e Odeleite, 2:400. Total 7:823.
Olhão: Fuzeta, 2:014; Moncarapa cho, 5:097; Olhão, 7:514: Pechão, 1:450; e Quelfes, 2:119. Total 18:198.
Tavira: Cachopo, 2:530: Conceição, 2:256; Luz, 1:819: Santa Catharina de
Fonte do Bispo, 2:471; Santo Estevão, 1:328; e a cidade de Tavira. 11:636.
Total 22:040.
Villa Real de Santo Antonio: Cacella, 2:720; e Villa Real, 4:255. Total 6:975.

Isto é, estes cinco concelhos sommam 63:883 habitantes. Ainda existem dispersas em toda esta area as pequenas povoações de Ala inos, Alcaria Alta, Armada do Douro, Cabanas, Feteiras, Foz, Guerreiros, La ranjeiras, Monte Gordo, Montinho, Santa Rita e Valle de Zebro pertencentes ás freguezias anteriormente indicadas.

PONTA DEL TIMON

A ponta oriental da foz do Guadiana, no reino de Hespanha, denominada del Timon, é o extremo de uma estreita ilha de areia, separada da ilha de Canellas por um largo canal que, partindo do Guadiana, communica com o mar proximo da barra da Figueirita, com a qual tambem communica o mesmo rio pelo esteiro da Figueirita, que limita pelo lado do N. a ilha de Canellas.

CASTRO MARIM

Fronteiro a Ayamonte abrem na margem direita do Guadiana dois esteiros; o do S., que é o maior, e se denomina da Carrasqueira, termina a uma legua de distancia, sendo navegavel para pequenas embarcações; o do N., ou o de Castro Marim, tem pouco mais de meia legua, e vae passar junto á villa do mesmo nome, que fica em 37°.13.2",68 N. e 1°.41.28",85 E. de Lisboa ou 7°.26.26",99 W. de Greenwich.

D'este ultimo esteiro sãe um braço, que vae para W. e SW. a juntar-se com o da Carrasqueira. Todos estes esteiros se ramificam circumdando varias ilhas ou sapaes, que são cobertos pelas grandes marés. O esteiro de Castro Marim é navegavel para pequenas embarcações até ao ponto onde se ramifica junto ao forte do Registro.

AYAMONTE

Na margem esquerda do Guadiana fica a cidade de Ayamonte pertencente a Hespanha, tendo ao N. um antigo castello, bastante distincto do mar a grande distancia da costa, que está em 37°.13.31",39 N. e 1°.43.34",09 E. de Lisboa. on 7°.24.21",75 W. de Greenwich.

Em frente da cidade fórma o rio um porto onde fundeiam muitas embarcações de pesca.

NAVEGAÇÃO DO RIO GUADIANA

Ha muita navegação no rio Guadiana; desde a foz até ao Pomarão sobem na vios de grande lotação que transportam o minerio das minas de S. Domingos; diariamente ha serviço de carreira a vapor entre Villa Real de Santo Antonio, Alcoutim, Pomarão e Mertola, e é muito frequente a navegação de embarcações de vela, transportando carga e passageiros entre as povoações marginaes.

Desde a foz até ao Pomarão dirige-se o rio para o N. na extensão de 48 kilometros, desenvolvendo-se sinuosamente entre margens baixas, que vão alteando à medida que se sobe o rio, começando a ser elevadas da foz da ribeira de Odeleite para montante.

Alcoutim, na margem direita, e S. Lucar na margem fronteira, ficam a 35 kilometros da sua foz.
Do Pomarão para cima corre o rio para o NW. até Mertola, tornando-se mais estreito e menos profundo em alguns pontos. Mertola está a 66 kilometros de Villa Real de Santo Antonio e a 18 kilometros do Pomarão.

A meio proximamente da distancia entre Mertola e o Pomarão existe, a meio do rio uma pequena ilha, por E. da qual se passa, denominada Horta de El-Rei. O rio principia a ser de difficil navegação nas proximidades de Mertola, em virtude dos vaus que se formam na baixamar, não permittindo a passagem das embarcações senão com maré cheia, a não ser para pequenos botes que, ainda assim, precisam de duas ou tres horas de enchente.

O primeiro vau, denominado da Bombeira, fica disposto de forma tal que para o passar, mesmo em preamar, é necessario encostar a uma das margens e atravessar obliquamente para a outra margem. O segundo é o vau da Vagueira; e o ultimo, proximo de Mertola é o rau da Pedra.

É indispensavel tomar piloto para a navegação do rio, principalmente do Pomarão para cima; porém as embarcações pequenas não carecem d'elle porque facilmente encontram a passagem mais profunda.
Durante as cheias é a corrente tão veloz que se torna o rio innavegavel,mesmo para, embarcações de vapor.

DISTANCIAS

Da foz do Guadiana:
A Alcoutim....19 milhas
ao Pomarão.....26 milhas
a Mertola...35,6 milhas

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