Construção do porto de Mértola

Ano: 
1958
Autor: 
Jornal do Algarve
Descrição: 

É vital para a economia do baixo Alentejo que se proceda à construção do porto de Mértola onde, segundos cálculos, serão manuseadas anualmente umas 240.000 toneladas.
por que não se procedeu até agora à destruição dos vaus do guadiana que já tiveram três dotações para esse fim?

Há coisas que não se compreendem por mais que se procure encontrar explicação para as mesmas. São tão notórias as fragilidades dialéticas da possível explicação que ela, por certo, nunca será dada. O que não impede que manifestemos a nossa estranheza de como é possível manter em letargia um problema vital para o progresso de uma província que bem precisa das maiores facilidades para o seu desenvolvimento e, consequentemente, para a melhoria de nível de vida da sua gente. E o singular do caso - estamos disso convencidos - é que os governantes, a quem é normal assacarem-se todas as responsabilidades do que não corre certo, têm, se é que têm, uma responsabilidade mínima no problema que vamos expor e que certamente para alguns sectores responsáveis vai constituir surpresa. Desde tempos distantes que economistas e engenheiros fixaram a sua atenção no porto de Mértola como porta de entrada e saída para o Baixo Alentejo. Magnificamente localizado, chegou-se a traçar uma linha férrea; no tempo em que as estradas eram raras, para fixar ali o entreposto da vasta região alentejana. Havia, porém, embaraços e esses eram constituídos por o Guadiana oferecer alguns obstáculos no seu curso. Com o decorrer do tempo esses obstáculos desapareceram até o Pomarão, por terem sido quebradas rochas que constituíam ameaça para os barcos. Ficou o rio desembaraçado até aquele porto para navios que podem transportar carga rondando as 4.000 toneladas. Restava limpar o troço do Pomarão a Mértola, na extensão de 17 quilómetros. Deve dizer-se que esta limpeza resume¬ -se a um trabalho tecnicamente fácil e economicamente barato. Consiste ela em destruir os vaus da Pedra da Vaqueira e da Bombeira que julgamos terem sido criados pelos povos antigos, romanos ou árabes, para acionar azenhas e, que retendo os detritos arrastados pelo rio, assorearam este em pequena extensão. Como a limpeza desse trecho do Guadiana e a criação consequente do porto de Mértola foram sempre problemas magnos para o desenvolvimento do Baixo Alentejo, os serviços públicos ordenaram que se fizessem, os respetivos estudos e a estimativa económica para ver se interessava a obra.
O porto de Mértola servirá nove concelhos dos de maior importância cerealífera
Dos estudos se incumbiu, há uns dezoito anos, o sr. eng. José Luís Abecassis, o qual se houve tão bem na sua missão que o plano foi aprovado, depois de se verificar que o estudo económico correspondia perfeitamente ao dispêndio que ia fazer-se. A obra foi dotada, se não estamos em erro, há uns quinze anos com 3.000 contos e passado um ano, pouco mais ou menos, com 2.000 contos. E então nesse tempo não existiam as novas estradas que valorizaram tanto Mértola, valorização que assume agora proporções muito maiores logo que esteja concluída a magnifica ponte sobre o Guadiana que dará passagem a todo o tráfego dos concelhos de Barrancos, Moura e Serpa e da vasta zona cerealífera e mineira compreendida no triângulo Moura-Barrancos-Mina de S. Domingos. Na margem direita temos a rede de estradas que converge para Mértola e que tem como pontos referenciais de origem teórica Beja, Ferreira do Alentejo, Ourique e Almodôvar e ainda a estrada que partindo do Barranco do Velho, na estrada nacional nº 2 Faro-Chaves, vem até ao porto de Alcoutim, através do qual se faz o abastecimento de adubos para uma grande extensão da serra algarvia. Ao tempo em que foram votadas as primeiras verbas, a Direção Geral dos Serviços hidráulicos, que ia meter mãos ao empreendimento, alugou um edifício em Mértola onde, em obras de adaptação, despendeu mais de 200 contos para no mesmo instalar os serviços técnicos e o pessoal. Tudo pronto para se começarem os trabalhos, e de repente, por artes de magia, tudo se esfumou! Esperou-se, esperou-se e à espera se continua ainda. Há uns cinco anos, talvez, pretendeu-se ressuscitar o plano e apareceram anúncios da abertura de um concurso, cremos que no montante de 900 contos, para destruição dos vaus do Guadiana, a fim de permitir a travessia de navios de certo porte até Mértola. Mas também desta vez interviu a magia - e tudo se esfumou!
Pois bem, temos que acabar com os mágicos, porque não há mágicos - estamos convencidos - que possam continuar a pôr obstáculos a esta obra que se reveste de interesse nacional pela sua projeção na economia de uma das nossas maiores províncias. No estudo económico então feito e em que se afirmava que a obra era justificada, calculava-se o manuseamento de mercadorias no porto de Mértola em 240.000 toneladas, não existindo ao tempo as estradas de ligação com Serpa, Moura e Barrancos; de Mértola a Almodôvar e a de Mértola a Ourique. Avalie-se o que revelaria hoje um novo estudo económico! Grosso modo, (excluindo as exportações de minérios e cereais, exceto trigo, a importação de máquinas agrícolas e de combustíveis para a lavoura e para a indústria) pode calcular-se que os concelhos diretamente interessados no porto de Mértola fornecerão a este o seguinte movimento de exportação de trigos que se destinam em grande parte às moagens do Norte do País: Mértola, 10.000 toneladas; Beja, 25.000; Serpa, 15.000; Moura, 20.000; Castro Verde, 15.000; Almodôvar, 7.000. Importação de adubos: Mértola, 8.000 toneladas; Beja, 12.000; Serpa e Moura, 20.000 e Castro Verde e Almodôvar, 10.000, não contando Ourique cujas estimativas não podemos avaliar. E agora vejamos a que distância ficam as principais terras a servirem-se do porto de Mértola: Moura, 75 quilómetros; Ourique, 57; Serpa e Beja 50; Salvada, 38; Almodôvar e Castro Verde, 42 e Mina de S. Domingos, 17.
Poderão frequentar o porto de Mértola navios de 2.000 ton.

Do Pomarão até Mértola, o rio depois de expurgado dos vaus e, dos detritos que estes retêm; oferece fundos que regulam pelos quinze metros, o que permite a subida até à vila alentejana de navios de 2.000 toneladas ou mais, conforme o seu comprimento. O porto de Mértola está perfeitamente delineado no local onde a ribeira de Oeiras entra no rio e onde se forma uma praça com o espaço suficiente para os navios atracarem e poderem manobrar. A natureza oferece-nos generosas possibilidades a troco de um insignificante desembolso. Temos que aproveitá-las. Assim o exigem os interesses do Baixo Alentejo e da Nação. Não há mágico, por mais mágico que seja, que possa ocultar esta verdade. Acima dos interesses subalternos estão os interesses de uma vasta região, que não pode aspirar a ver o seu trabalho valorizado se não lhe proporcionarem condições para isso. Então é lá admissível que umas minas de manganês, as de Alcaria, a 35 quilómetros do porto de Mértola, tenham que utilizar a camionagem para levar a Setúbal 600 toneladas de mineral?! Por quanto fica este transporte? Em que condições tem que se fazer a exploração para dar margem a pagar transportes a tão longa distância? Esperemos que desta vez - e vai ser a terceira!- se considerem devidamente os interesses do Baixo Alentejo, destinando-se a verba indispensável à limpeza da magnífica via de água que é o Guadiana. Neste sentido apelamos para o Governo e em especial para o sr. ministro das Obras Públicas.