A GREVE DE 1907 NA MINA DE S. DOMINGOS

Ano: 
1907
Autor: 
João Nunes
Descrição: 

A GREVE NA MINA DE S. DOMINGOS

Os primeiros trabalhos da mina-Fenícios romanos-Achados arqueológicos na mina

-A nova descoberta da mina e sua exploração- O pessoal empregado- Salario de mineiros- A importância do minério extraído e das importâncias despendidas -Sistema de exploração- A greve actual-2000 operários em greve.

Continuam em greve os operários da mina de S. Domingos, facto que não pode deixar de merecer importância atendendo ao grande número de operários que trabalham naquele estabelecimento e ao local relativamente isolado em que se passam os acontecimentos.

As greves das classes mineiras são aquelas que em todos os tempos mais têm preocupado os poderes públicos na França, como na Bélgica ou na Espanha.

Quem uma vez leu o que o grande Zola descreve no seu Germinal, não pode esquecer o que essas greves têm de terríveis pelas suas consequências.

O trabalho do mineiro é sem duvida dos mais penosos trabalhos humanos, passar em geral dias inteiros, noites consecutivas debaixo da terra, escavando, ora de rojo, ora de costas, as entranhas do globo terráqueo para d'ellas extrair os diamantes, o ouro, a prata, o estanho, o cobre ou o carvão; sem gozar os benefícios da luz solar e sem respirar a brisa dos campos, são na verdade trabalhos, cuja discrição faz calafrios, quando essa discrição é feita por artistas da pena e da palavra como o autor de 0 Trabalho e d' A Fecundidade. E se a tudo isto se acrescentar o perigo constante da derrocada de uma trincheira, da Inundação de uma galeria ou de uma explosão de grizu, quando se trata de minas de carvão, fica o quadro completo em todos os seus horrores,

É certo que a mina de S. Domingos não oferece o aspeto assustador das minas carboníferas da França, Bélgica e Inglaterra, ou das minas de ferro da Suécia e da Escócia; mas nem por isso os trabalhos ali executados não deixam de ser penosos, porque também na mina de S. Domingos os operários trabalham a muitos metros abaixo do solo, à luz mortiça dos candeeiros, separados da luz do sol e do ar puro e vivificante das colinas.

Situação e origem da mina

A mina de S. Domingos, que mais propriamente e tecnicamente pode chamar-se jazigo de pirite cuprífero, fica situada em uma das colinas da Serra de S. Domingos a 37`40' 30" de latitude N, e a 1°39'39" de longitude E. de Lisboa, aproximadamente. Dista 4 quilómetros da Aldeia da Corte do Pinto, 17 de Mértola, 67 de Beja, e 15 do porto do Pomarão na confluência da ribeira de Chança com o rio Guadiana a 30 quilómetros da foz do mesmo rio, em Vila Real de Santo Antonio.

A exploração d'este jazigo parece ter sido exercida pelos romanos e ate pelos fenícios, segundo vários objetos arqueológicos, tais como moedas e de madeira encontradas a grande profundidade quando se procedeu aos trabalhos de escavação para a atual exploração. Calcula-se que o volume das explorações antigas atingiu a cifra de 150:000 metros cúbicos, tendo essa exploração chegado à profundidade de mais de 20 metros abaixo da galeria de esgoto.

A nova descoberta da mina e sua concessão

Ora foram justamente os vestígios d'esses trabalhos antigos que originaram a nova descoberta da mina sendo declarado seu descobridor: Nicolau Biava, em portaria de 7 de outubro de 1857.

Em 22 de maio de 1858 foi feita a concessão provisoria da mina a Ernesto Deligny, Luiz Decazes e Eugenio Leclerc, como cessionários de Nicolau Biava. A área estipulada na concessão era de 798:000 metros quadrados. Em 12 de janeiro de 1859 foi a concessão tornada definitiva, sendo n'essa ocasião reconhecido como habilitado para dirigir os trabalhos da barra o engenheiro inglês Diogo Mason, proposto pelos concessionários.

Mais tarde a concessão passou par a Sociedade Mineira La Sabina com sede em Paris e d'esta para a sociedade Mason & Barry Limitada com sede em Londres.

Ainda depois a concessão passou a uma sociedade anónima, ficando, por contracto de 1879, a empresa exploradora a pagar á companhia concessionaria 5 francos por cada 1:000 quilogramas de minério extraído, ficando estipulado o mínimo de 24:000 toneladas.

Para se fazer ideia da importância d'este contracto, bastará dizer que o rendimento d'ele para a companhia Sabina, de 1859 a 1880 se elevou a cerca de 3.066 contos, ou seja, uma media anual de 146 contos.

As dimensões da mina e a sua exploração

As principais dimensões da mina são: 600 metros de comprimento; 50 metros de largura no corte horizontal, tomados 17 metros abaixo da superfície do solo ou 15 metros abaixo da superfície da massa, e uma profundidade que vai a mais de 150 metros,

O minério extraído contem, em media 2,75 por cento de cobre e 45 a 50 por cento de enxofre. Associados com estes dois produtos encontra-se, em pequenas quantidades, o ferro, o chumbo, o ouro, a prata, etc.

O sistema de lavra

Em 1863 tinha a mina já as seguintes escavações para a lavra:

Vinte e sete poços verticais em comunicação com o mineral para serviço de esgoto e ventilação;

Galeria de esgoto ao nível da antiga galeria romana, para desague da parte superior da mina.

Dois túneis para extração, dois pisos, etc.

Com estes elementos tinham sido removidos até 1888, 3.000.000 de metros cúbicos de minério despendido em trabalho cerca de 500000 $ 000 reis.

A importância da mina é de tal ordem que possui caminho de ferro, estação telegráfica, iluminação a eletricidade, serviço de saúde, etc., tudo isto desenvolvido em grande escala, Pode calcular-se a importância de tudo isto sabendo-se que só os edifícios construídos por conta da empresa importarem em 156:478 $ 253 réis.

Operários e salários

O numero de operários empregados na mina de S. Domingos, apesar de variável com a maior ou menor atividade com que, em harmonia com as condições do mercado, se procede à lavra, mantém-se sempre superior a 1.000, podendo atribuir-se-lhe uma média de 1.400 a 1.500 operários.

Este numero, porém, tende sempre a aumentar, tanto que, atualmente, trabalhavam na mina 2.000 operários.

Os salários pagos variam, segundo um relatório da mina, entre 200 e 960 réis, dando em media 383 réis. Estes salários, que em outros tempos eram considerados suficientes ou, pelo menos, mais remuneradores que os ganhos nos trabalhos rurais, são atualmente considerados insuficientes pelos operários, é daí

A greve atual

A greve declarada há dias na mina de S. Domingos e que, como fica dito, teve por origem a exigência de aumento de salario e redução de horas de trabalho, é a primeira que se dá n'aquelle importante estabelecimento, Pelo menos, não há noticia de ter ali ocorrido qualquer movimento d'esta natureza, ainda que Insignificante.

Certamente foi o agravamento geral das condições de vida que levou os trabalhadores a exigirem mais do que aquilo com que até à pouco se contentavam, Oxalá que o conflito se resolva com a maior rapidez e a contento de todos porque a duração da greve, por pouco tempo que seja, há de forçosamente acarretar prejuízos enormes tanto para os operários como para a empresa, sem contar com qualquer conflito grave que de um momento para o outro pode surgir apesar da ordem em que os operários, segundo se depreende das noticias recebidas, se tenha mantido até agora.

Os nossos telegrammas-0 estado do conflito

O nosso dedicado e solicito correspondente de Mértola enviou-nos os seguintes telegramas, que tão circunstanciadamente quanto é possível dão conta dos factos ocorridos e do estudo em que o conflito se encontra:

Mértola, 31. Continua ordeira a greve, subindo o numero de grevistas a 2:000, aproximadamente.

As suas reclamações resumem-se em aumento de salario e redução no numero de horas de trabalho. Muitos operários, habitantes do concelho, têm iludido a vigilância dos companheiros, abandonando a mina com receio de graves conflitos, e retirando para suas casas, onde aguardam o final da questão.

Apesar de há muito tempo os mineiros se mostrarem desgostosos com o excesso de trabalho e pequenos salários, consta que a greve foi espontânea e que teve origem no facto da direção da mina ter reduzido o tempo de trabalho a uns tantos operários, enquanto que os restantes trabalhavam doze horas.

Ainda os tiros disparados

Correm varias versões sobre quem disparou os tiros no começo da greve, dizendo uns ter sido a policia e outros a guarda fiscal.

A direção tentou, com o auxilio da força, fazer trabalhar o malacate, para evitar a inundação da mina, mas consta-nos que nenhum maquinista se prestou a esse serviço.

Mais forças

Acham-se na mina dois destacamentos, um da cavalaria e o outro de infantaria 4, tendo sido requisitada mais força.

Não consta que tenha havido qualquer tentativa de conciliação entre as duas partes, mas é de crer que ela se dê em virtude de ter chegado hoje o engenheiro consultor Frederico Harvey, que goza de muito prestigio entre os operários e que decerto levará a questão a bom termo.

Não nos é possível dar nota mais circunstanciada dos acontecimentos porque a mina nos fica a 18 quilómetros, e as noticias chegam aqui muito atrasadas e ás vezes deturpadas.

Uma esperança gorada -A chegada do engenheiro- Manifestação de simpatia

Mértola, 31. O engenheiro consultor O Frederico Harvey, ao chegar hoje á mina foi recebido pelos grevistas com grande entusiasmo, sendo-lhe levantados muitos vivas.

Pouco depois, acompanhado polo diretor da mina, foi conferenciar com a multidão opondo-se a que a greve termine por conciliação honrosa para todas as partes.

O abastecimento de agua-Tudo ás escuras

O abastecimento de agua potável para a casa dos empregados da empresa têm sido feitos em carroças e escoltadas pela cavalaria. Há três noites que a povoação está ás escuras em vista de a iluminação ser feita por eletricidade e as machinas geradoras estarem paradas.

A empresa tem continuado a fazer pagamento aos seus operários em divida.

Nova remessa de forças

Évora, 31.-No comboio da tarde, marchou uma força de cavalaria para a Mina de S. Domingos, sob o comando do tenente Palas, a fim de manter a ordem alterada.

Jornal O Século 1907
Transcrição realizada por João Nunes