MINISTERIO DAS OBRAS PUBLICAS, COMMERCIO E INDUSTRIA
DIRECÇÃO GERAL DO COMMERCIO E INDUSTRIA
INQUERITO INDUSTRIAL
1890
VOLUME I
INDUSTRIAS EXTRACTIVAS
MINAS E PEDREIRAS
LISBOA IMPRENSA NACIONAL
1891
CONCELHO DE MERTOLA
Mina de S. Domingos
Esta mina, cuja concessão data do ano de 1859, é justamente considerada a mais rica do Portugal e de todas a mais importante, tanto pelo capital imobilizado na mina e nas suas dependências, como pelos avultados lucros que tem auferido da sua exploração, não só os primitivos concessionários, como a atual companhia exploradora.
O minério explorado n'esta mina é uma pirite do ferro cuprífera, igual á que se encontra nas importantes minas de Rio Tinto, Tharsis, Lagunazo, Coronada e outras da província de Huelva e Aljustrel, Serra da Caveira e outras menos importantes de Portugal. A quantidade de calcopirite que se acha intimamente misturada à pirite de ferro dá ao minério um teor de cobre variável, que se bem que em algumas minas (Serra da Caveira) atinge 8 a 9 por cento, n'esta mina nunca passa de 8 por cento, podendo-se calcular a media do teor cuprífero em 2,1 por cento.
Alem do cobre contém este minério pequenas quantidades de oiro e prata, que por um processo especial são extraídas do minério empobrecido, isto é, do minério lixiviado com um teor mínimo de cobre, nas oficinas inglesas, alemãs e francesas, para onde é exportado, e pelas quais é pago e utilizado como minério de ferro.
A ganga, principalmente quartzífera, não prejudica a lixiviação, sendo aliás bastante limpo de ganga o minério extraído; nenhuma importância tem o Feldspato, sulfato de bário e outras gangas que aparecem secundariamente. Profundidade máxima no ano corrente 150 metros abaixo do nível do esgoto.
Não tem variado sensivelmente o teor cuprífero da massa em profundidade, permanecendo igual nos pisos inferiores ao que era nos pisos superiores. A largura da massa que estreitara até à profundidade de 80 a 90 metros, tem-se conservado igual d'aí baixo, sucedendo mesmo alargar em alguns perfis.
O comprimento da massa não tem variado nada, se bem que a continuação da massa para sueste, em uma faixa estreita, não tenha sido ainda competentemente reconhecida. Da massa apartam-se alguns ramais de diversas possanças com rumo ligeiramente divergente, tanto no hasteal do norte como no do sul, os quais também ainda não tem sido seguidos em maior extensão.
Entretanto é natural que a empresa em breve proceda a reconhecimentos mais importantes das ramificações e do prolongamento e muito especialmente no sentido da profundidade. Efetivamente, sendo necessário em prazo já não muito afastado transformar o sistema de lavra até agora seguido, em virtude da grande profundidade em que já atualmente tem lugar o arranque do minério, importa saber as condições de teor, possança, etc., da massa em profundidade, a fim de se convencer a empresa se vale ou não a pena imobilizar um capital avultado para a instalação dos trabalhos e maquinismos necessários para a implantação do novo sistema de exploração.
Compreende-se facilmente que o sistema de lavra até agora seguido com incontestável vantagem, se torna demasiado dispendioso na maior profundidade, visto exigir o desmonte do uma quantidade enorme de estéril, principalmente do lado sul, onde a rocha adjacente é pouco consistente e torna necessário adotar um talude muito pouco inclinado.
O mapa A, junto a este relatório mostra quais os níveis de onde durante o ano de 1889 foi extraído o minério. O mapa B indica a quantidade de minério e estéril em toneladas e metros cúbicos extraída no ano de 1889, bem como o preço pelo qual está dada a empreitada a diversos empreiteiros de arranque de minério e estéril na corta. Por este mapa se vê quão avultada é a quantia anualmente gasta com o desmonte de estéril, e que, segundo o sistema de escrituração da mina, é lançado integralmente à conta de extração de minério.
É certo, porém, que a despesa proveniente do desmonte do estéril é em pequena parte compensada pelo facto de ser o estéril junto aos hasteais da massa um pouco cuprífero; as aguas pluviais são captadas, de pois de terem passado pelas medas de estéril (e mesmo em algumas medas tem-se disposto recentemente tubos de irrigação), e consegue-se produzir nos canais algum cemento.
A produção durante os últimos dez anos apresenta algumas variações, provenientes de diversas causas, sendo uma o preço do cobre no mercado. Tem fácil explicação também a diminuição consecutiva da produção de minério cru, que coincide com o aumento correspondente de cemento, visto ser muito mais lucrativo o tratamento do minério na mina. A diminuição da produção total e da quantidade de minério posto em tratamento no ano de 1889 tem, como acima já foi indicado, por causa a grande baixa do cobre n'esse ano, sendo certo que no ano corrente, em que subiu bastante o preço do cobre, já a produção aumentou sensivelmente, dando alem d'isso lugar a que a empresa se desfizesse da quantidade avultada de cemento que tinha armazenado com a intenção de esperar, para efetuar a venda, a alta do cobre no mercado, que necessariamente havia de suceder á excessiva baixa d'aquelle metal.
Cabe aqui referir-me com louvor á administração inteligente que tem tido esta mina, pois constantemente se tem pensado em introduzir melhoramentos e aperfeiçoamentos na exploração da mina, que, depois de postos em pratica, têm produzido economia na laboração ou mais vantajosa valorização dos produtos; só assim é que se tem conseguido atravessar incólume períodos nefastos a muitas outras minas de cobre e dar sempre ao capital, bastante elevado, imobilizado na mina uma remuneração não brilhante mas satisfatória.
Muito particularmente é digno de louvor o escrúpulo com que mesmo em anos de pequenos benefícios, a administração da mina nunca tem deixado de prover à regular amortização do capital empatado em diversos trabalhos subterrâneos e superficiais.
Capital. O capital fixo imobilizado na mina propriamente dita era em fim de dezembro de 1889, réis 3.144:033 $535.
Capital circulante, réis 184:024$574, incluindo caminho de ferro da miua ao Pomarão e porto de embarque n'este ultimo ponto.
Dependências da mina
Oficinas-As oficinas acham-se montadas junto à corta.
Nelas se encontram diversos aparelhos e maquinismo que constam do respetivo mapa. A oficina mais importante é a forja e serralharia; próximo encontra-se a fundição, tanto para peças de ferro fundido, como de bronze e metal amarelo; mais adiante está instalada a carpintaria, oficina menos importante do que as acima mencionadas.
O laboratório químico acha-se instalado no palacete da direção, onde também se acham a sala de desenho e os escritórios; na Achada do Gamo existe uma dependência do laboratório, onde se procede aos ensaios mais simples.
Fabrica de tijolos- Esta fabrica acha-se instalada próximo á Achada do Gamo e produz tijolo suficiente para o revestimento dos tanques de cementação, revestimento dos tuneis, etc. Este tijolo, feito de xisto argiloso decomposto, substitui plenamente o tijolo, que até há pouco tempo ainda a mina importava de Inglaterra e fica muito mais barato..
Caminho de ferro-Alem da via férrea que liga a mina ao porto de embarque no Pomarão, construíram-se numerosas linhas secundarias da mina para os diversos depósitos de estéril e minério e para diversos outros serviços.
O mapa C anexo a este relatório fornece todos os principais elementos pelos quais é fácil formar uma ideia da importância d'este serviço e do custo da exploração. Cumpre-me mencionar aqui que a conservação do caminho de ferro nada deixa a desejar.
Estabelecimento da Achada do Gamo- É aqui que se acham dispostos os tanques de cementação para onde convergem as aguas cupríferas provenientes da lixiviação dos grandes depósitos de minério dispostos nas proximidades até perto da mina; no ano anterior começou-se a formar um novo deposito à direita da linha férrea, para o qual atualmente se transporta quase todo o minério que sai da mina. As aguas para a lixiviação provêm de grandes lagos artificiais formados nos barrancos a montante do estabelecimento, onde são represadas as aguas pluviais. Apesar da sua grande capacidade, sente-se as vezes falta de agua para o funcionamento regular da cementação.
Uma experiencia feita há poucos anos, com o intuito de levantar as aguas sulfatadas já empobrecidas para atuarem segunda vez nas medas de minério, não produziu resultado satisfatório. Pelo contrario, tendo-se notado que em aguas correntes o cemento produzido é muito mais puro do que o que se produz nos tanques, está-se atualmente estudando a maneira mais fácil de modificar o tratamento n'aquelle sentido.
O ferro utilizado para a cementação é importado de Inglaterra em barras, ou vem de Lisboa e outras localidades em sucata, mais vantajosa para o tratamento, porque sendo em geral composta de peças velhas de ferro forjado não produz na dissolução tanta grafite.
Aumenta de ano para ano a exportação de minério empobrecido vendido pelo enxofre, ferro, etc., que contém, o que dá bastante vantagem, não tanto pelo pequeno lucro que dá, como principalmente pelo facto de ir deixando o terreno desocupado e livre para n'elle se formarem novas medas de minério cru.
As aguas sulfatadas são represadas em grandes depósitos a jusante da cementação; estes depósitos são despejados na ocasião das grandes cheias, procurando d'este modo causar o menor dano possível à pescaria do rio Guadiana.
Há anos que se levantou e tem continuado uma controvérsia mais ou menos acirrada entre os pescadores de uma e outra margem do Guadiana e a mina, acerca da ação nociva que exercem as aguas sulfatadas sobre a pesca do rio; se por um lado não se pode negar que há alguma razão nas queixas dos pescadores, cumpre também ter em atenção que a mina não se tem poupado a despesas para diminuir quanto possível os prejuízos causados, quer pela construção das grandes represas acima mencionadas, quer pagando indemnizações aos próprios pescadores do rio.
Direção e administração- O representante do concessionário na mina é o administrador-gerente; estão-lhe subordinados o engenheiro diretor dos trabalhos da mina, o engenheiro químico que dirige o estabelecimento da cementação, o engenheiro maquinista para as oficinas e caminho de ferro e o chefe do escritório ou primeiro guarda livros.
Junto, a este relatório, por os julgar interessantes para se formar melhor ideia do desenvolvimento d'esta mina, alem dos já mencionados, os seguintes mapas:
D-Especificação do consumo de carvão;
E-Acidentes ocorridos e suas causas e natureza dos ferimentos;
F-Especificação dos diversos motores e dos serviços a que são destinados. Junto mais a este relatório as Notas», que me foram fornecidas pelo administrador-gerente.
Mapa A-Níveis de onde foi extraído o minério (1889)
Toneladas métricas
Do piso de 12 metros- 32
Do piso de 28 metros- 1:631
Do piso de 52 metros- 19:266
Do piso de 62 metros-37:403
Do piso de 75 metros-73:888
Do piso de 92 metros- 46:289
Do piso de 122 metros e 150 metros-341
Total.......178:870
Remetidas para tratamento- 178:677
Remetidas para embarque no estado natural-193
Total...178:870
Expedidas para Lisboa no estado natural- 62
Expedidas para o estrangeiro (miúdo e terras)- 72:888
Cemento cúprico-7:003
Notas fornecidas pelo administrador-gerente da mina do S. Domingos
O minério explorado e o tratamento mecânico a que é submetido, assim como os produtos e resíduos d'esse tratamento, são bem conhecidos.
Data da concessão definitiva da mina aos srs. E. Deligny, duque Decazes, e E. Duclerc-12 de janeiro de 1859. Concessão renovada a favor dos mesmos, constituídos em sociedade mineira denominada La Sabina, por decreto de 29 de dezembro de 1874.
Profundidade máxima dos trabalhos em 1890-150 metros abaixo da galeria de esgoto.
Capital fixo, conforme o ultimo balanço:
Na mina propriamente dita, caminho de ferro e porto de embarque.... 3.144:033$535
No estabelecimento, para tratamento mecânico, Achada do Gamo.........422:277 $309
Circulante na mina, caminho do ferro e porto .... 184:924$574
Circulante na Achada do Gamo....... 174:927$654
Total...... 3.926:163$072
Duração de trabalho
O numero de dias de trabalho no ano é, em termo medio, de 280; deduzindo domingos, dias santificados, dias de pagamento aos operários (dia 2 de cada mês), entrudo e semana santa.
A duração do trabalho em cada dia útil, é de sol a sol, com descansos para as comidas de hora e meia no inverno e duas horas e meia no verão. Isto reduz a media do trabalho útil a dez horas por dia útil, durante o ano.
A mesma media vigora para o trabalho de mineiros, nos subterrâneos, ou nas bancadas a céu aberto, feito de empreitada. Estes trabalham da ou noite, em relevos, cuja duração media é de dez horas por cada relevo.
Nada há que acrescentar ao que consta dos mapas 3, 4 e 5, quanto ao numero dos operários, sua retribuição e instrução. Os notados como estrangeiros são exclusivamente espanhóis, na maior parte da vizinha província de Huelva.
Todo o trabalho feito pelos operários retribuídos a jornal, fora das horas habituais do trabalho, mencionadas supra, é paga por suplemento ao jornal, em proporção ao tempo empregado no serviço extraordinário, e com acréscimo para trabalho feito de noite.
A escola de instrução primaria para o sexo masculino, é custeada totalmente pela empresa. Existem algumas escolas por particulares, para o sexo feminino.
A aprendizagem, que tem aqui caracter regular, é a que é feita nas oficinas de serralharia. Dura de ordinário cinco anos, e o aprendiz é retribuído, começando no primeiro ano a vencer 160 reis diários, e aumentando-se esse jornal à rasão de 40 réis em cada ano sucessivo. Chegado ao termo da aprendizagem, o aprendiz é classificado como oficial e passa a vencer como tal, e em harmonia com a sua proficiência no oficio. Dois, ou três anos depois de servir como oficial, dispensado de pagar aluguer pela sua habitação, é-lhe concedido gratuitamente o fornecimento de agua potável para lavagens, etc.
Casas- As dimensões ordinárias de cada quartel são de 4mx4m em secção horizontal, com pé direito variável. O conteúdo cubico de espaço em cada quartel, é em termo medio de 4 metros cúbicos.
A renda paga pelos operários é de 600 réis por mês por cada quartel. Os empregados e capatazes, e os artistas de qualquer oficio, habilitados com certo numero de anos de serviço, têm quartel gratuito.
Existe um monte pio, ou caixa de socorro mutuo particular, onde a admissão de qualquer operário é facultativa e d'onde, nos casos de doença, recebe um pequeno subsidio diário, enquanto dura a impossibilidade de trabalhar. Quando esta impossibilidade é, porem, resultado de acidente sobrevindo no serviço da empresa, o doente é alojado e sustentado no hospital, à custa da mesma.
O tratamento clinico e cirúrgico, e os medicamentos de qualquer espécie, são gratuitos para todo o pessoal em serviço da empresa, seja qual for a classe, na mina e suas dependências, incluindo as famílias.
As congruas nos párocos das duas freguesias, da Corte do Pinto e Sant'Anna de Cambas, por todo a pessoal em serviço da empresa na mina e suas dependências, são pagas por esta, por avença com os respetivos párocos.
A diversos mineiros, permanentemente impossibilitados de trabalhar por acidentes ocorridos no trabalho, são pagos uns pequenos subsídios, que variam de 3$000 a 4$500 réis per mês. Dão-se socorros pecuniários às famílias das vitimas de acidentes, em harmonia com o número de indivíduos de família. Os que, ainda que impossibilitados para serviços violentos, podem entregar-se a trabalhos leves, ou os já muito idosos que aqui assistem, empregam-se em recolher ferro, em limpezas, em atender às mudas e agulhas nas vias férreas, e outras ocupações semelhantes.
Nada tenho a notar acerca da alimentação dos operários, que é a usual, conforme sua classe e vencimentos. A empresa não intervém entre o pessoal e os fornecedores de comestíveis. Estes fornecem alimentos a credito aos operários e suas famílias, a troco de um documento chamado “poder”, que autoriza o fornecedor a receber os vencimentos do operário na ocasião do pagamento, até á importância dos alimentos fornecidos. A empresa facilita o transporte gratuito de pescarias, hortaliças e outros comestíveis, pela via férrea do porto de Pomarão à mina.
Relações entre os operários e a empresa
Não tem ocorrido, felizmente, até agora, movimento algum com caracter de greve entre qualquer classe dos operários da mina. Em 1865 ocorreu um conflito de caracter sedicioso, entre certo numero de mineiros e os empregados encarregados do respetivo serviço, mas devido a causas puramente acidentais, que não se repetiram.