UMA LOCALIDADE COM UM NOME
Há cerca de cem anos, dois engenheiros ingleses aperceberam-se das possibilidades de certos depósitos minerais no Alentejo. A Mina de São Domingos, hoje uma aldeia próspera de 5000` almas, é um monumento ao empreendimento dos fundadores e dos seus sucessores.
EXISTEM VÁRIOS ACESSOS À MINA DE SÃO DOMINGOS. O percurso tradicional era feito por Cacilhas, Alcácer do Sal, Beja e Mértola. Atualmente, pode dispensar a barca, utilizar a nova ponte de Vila Franca e passar por Montemor-o-Novo, Évora, Beja, Serpa e pela estrada recentemente construída que o leva à Mina. Ou ainda, por vezes, é possível embarcar em Lisboa e navegar à volta do Cabo de S. Vicente e ao longo da costa algarvia até Vila Real de Santo António e, sem transbordo, subir o largo Guadiana, num cenário semelhante ao do Reno, até ao Pomarão, o pequeno porto fluvial, propriedade da Empresa, de onde o minério é expedido para todas as partes do mundo. A partir daí, irá viajar numa carruagem (chamada, de forma jocosa, Sud-Express) ao longo da linha privada da empresa, um caminho de ferro panorâmico regular que passa por túneis e vales escarpados, verdes e amarelos com licores minerais, e assim, depois de um percurso de 11 milhas, chegará à mina pelo sul.
E assim, depois de 11 quilómetros, chega-se à mina pelo sul. Há outras (não do ar, pois a Empresa ainda não tem pista de aterragem). Há, por exemplo, a abordagem económica. A mina tem sido uma empresa em atividade e, penso que se pode dizer, uma empresa próspera desde a sua criação em 1858. Pirites de ferro cupreoso é o nome da rocha azul escamosa extraída antigamente a céu aberto, mas agora a uma profundidade de mil pés. Graças ao engenho do homem em geral e à capacidade da Direção em particular, este minério é transformado em enxofre e cobre nas fundições anexas à mina. O enxofre, que contribui com inesperados salpicos de amarelo chinês brilhante, é vendido à Companhia União Fabril, principalmente para o fabrico de insecticidas. O cobre é obtido por fundição e pela precipitação de sais de cobre da água de esgoto da mina, que é feita fluir sobre montes de sucata de ferro. É utilizado sobretudo para a produção de sulfato de cobre para pulverização de vinhas.
Grande parte da produção é expedida em bruto do Pomarão em vapores oceânicos e segue para a Grã-Bretanha, França e outros países e também para o Barreiro, novamente para a C.U.F. É largamente utilizado para o fabrico de adubos superfosfatados.
Há outras vertentes. Esta região fronteiriça (até ao Pomarão, o rio Guadiana é a fronteira entre Portugal e Espanha) não é benéfica. A cultura do trigo e a criação de ovelhas são ocupações precárias e há uma longa tradição de miséria e subnutrição nestas paragens. Por conseguinte, uma empresa que emprega atualmente 2.000 trabalhadores com salários elevados para o Alentejo tem uma importância económica imediata para a região. Além disso, a Direção da Mina herdou dos fundadores uma forte tradição de serviço social e zela pelo bem-estar dos trabalhadores e das suas famílias, num total de cerca de 5.000 pessoas.
Exercendo o que o Diário de Lisboa descreveu recentemente como “poder paternal”, a Empresa construiu, ao longo de noventa e tal anos, um hospital, um mercado, uma igreja (no estilo gótico-mudéjar de S. Braz, em Évora), um cinema e um teatro, uma cooperativa de lojas e incentivou (e financiou discretamente) vários clubes. Há o Clube Cinco de outubro, o Clube Musical, o Clube de Futebol e o Recreativo, que é exclusivo e de difícil acesso. A Companhia mantém também uma banda de música que toca num coreto regular aos domingos e feriados.
Mas isto não é tudo. Há uma escola com três professores que já está tão superlotada e com falta de pessoal que tem de funcionar no sistema de 3 turnos - como algumas das obras. Os serviços de saúde incluem três médicos residentes e uma parteira, para além de um cirurgião visitante que vem de Lisboa uma vez por quinzena. Graças a estes serviços, a malária, outrora um grande flagelo, que atacava 22 pessoas em cada 100 nos anos sessenta, foi erradicada. A mortalidade infantil é uma das mais baixas de Portugal. Em 1951, em 200 bebés, apenas 2 não sobreviveram. Uma homenagem muito eloquente às condições de vida em São Domingos é o facto de no ano passado 150 trabalhadores terem recebido medalhas ao completarem 50 anos - cerca de 60 de serviço. Muitos começaram a trabalhar, não clandestinamente, claro, quando tinham oito anos de idade, pois nessa altura não havia regulamentação laboral.
A ordem é mantida por uma pequena força policial. No entanto, as celas são sobretudo utilizadas para a detenção temporária de contrabandistas apanhados na fronteira.
O fundador da Mina de São Domingos foi James Mason, de Oxfordshire, que no início do século passado fez um pequeno curso de minas em Paris (ainda não havia uma escola regular de minas em Inglaterra) e, por mero acaso, encontrou um francês que vinha a Espanha e a Portugal para inspecionar depósitos de pirites de ferro. As jazidas de São Domingos foram trabalhadas pelos romanos e talvez “até pelos fenícios, como as de Aljustrel, mais perto da costa É desta última que provêm as duas placas de bronze, atualmente no museu dos Serviços de Geologia, no edifício da Academia das Ciências, em Lisboa, onde estão gravados em latim os regulamentos mineiros da época.
O nome de São Domingos deve-se a uma capelinha dedicada ao fundador da Ordem dos Pregadores. Esta capela - a única construção em quilómetros em redor em 1857 - é agora a sala de espera do hospital Mas a imagem do Santo com o seu cão está sobre o altar-mor da nova igreja Há dois altares laterais, um para Nossa Senhora de Fátima e outro para Santa Bárbara, padroeira dos bombeiros, mineiros e fabricantes de fogo de artifício.
James Mason associou-se a Francis Tress Barry, seu cunhado. A Mina cresceu e prosperou e as autoridades não tardaram a reconhecer o enorme valor económico e social do empreendimento, numa zona rural desolada e improdutiva, tendo D. Pedro V visitado S. Domingos em 1860, fazendo a viagem a cavalo. O capacete de mineiro (do modelo da Cornualha) que usou quando desceu a contra-mina, está especialmente colocado na sala de jantar do “Palácio” como a confortável residência dos Diretores, inocentemente estilizados Aqui também estão os bustos de D. Pedro, D. Luiz e D. Carlos Este último visitou a mina em 1897 com a Rainha Amélia Um busto de James Mason, na altura Visconde Mason de Pomarão, está ao lado da dos monarcas. O seu sócio tornou-se Barão Barry de São Domingos e baronete inglês e deputado por Windsor Em dias especiais, uma bandeira com o brasão de Mason ondula preguiçosamente sobre o Palácio. A empresa original de Mason e Barry foi transformada numa sociedade anónima, Mason & Barry Limited, algures nos anos oitenta. Após a Primeira Guerra Mundial, a exploração mineira a céu aberto foi abandonada e iniciou-se um intenso trabalho subterrâneo. Foram dias calmos para a comunidade britânica, pois, tal como em Carcavelos, havia um grande número de engenheiros e capatazes residentes e suas famílias. Existe mesmo um pequeno cemitério britânico.
Os nomes de Brown (AL.) Neville, Lindley, Orton, McBride, Burt e outros estão ligados a este período da história da Mina.
O pessoal atual é mais pequeno o Tenente-Coronel J. Cross-Brown D. S. O. é o atual Presidente da Empresa e o seu Diretor-Geral Embora a sua sede seja em Londres, fez mais de 70 visitas à mina nos últimos quarenta anos. É pessoalmente responsável pelos trabalhos de exploração e de superfície mais recentes, bem como por muitas das comodidades sociais de que beneficiam os trabalhadores e as suas famílias.
O atual Superintendente Geral residente é o Sr. GF Palmer A auxiliá-lo estão o Sr. P. J. Gass, Assistente Administrativo, o Sr. R.B. Fermor, Superintendente de Minas, o Sr. M. D. Falconer, responsável pelas constantes operações de dragagem na barra do Guadiana em Vila Real de Santo António (onde é também Vice-Cônsul honorário britânico), os Srs. W.I. Hardy e A. Dunning, o Senhor Emílio Rodrigues da Silva, engenheiro responsável pelo departamento elétrico e o Senhor A.B. Farinha, que cuida da Fundição. As aldeias mineiras vão e vêm, mas aqui os sucessivos Diretores e Superintendentes têm trabalhado para melhorar as casas dos mineiros e as condições de vida em geral, para que S. Domingos permaneça no mapa.
As ribeiras foram represadas e o resultado são dois grandes lagos numa zona rural onde a visão da água é como uma miragem no deserto. Nos últimos anos foram plantadas 140.000 árvores, maioritariamente eucaliptos, o suficiente para mudar a face do campo. À volta dos lagos, foram criados numerosos terrenos para hortas, que são cedidos aos homens por um pequeno aluguer, com rega incluída. De facto, a Mina de São Domingos oferece tantas vantagens em relação às aldeias vizinhas que muitas pessoas não empregadas pela Companhia, filhos e parentes dos mineiros, permanecem em São Domingos, onde dão origem a um problema de habitação e desemprego.
A Empresa, engenhosa como sempre, está agora mesmo a conceber ocupações e indústrias locais que absorverão a população não mineira, particularmente as mulheres e as raparigas. Ouvi dizer também que a empresa está a tentar persuadir as autoridades educativas a participarem num plano para a criação de uma escola de comércio onde os rapazes aprenderão ofícios que lhes permitirão procurar trabalho em qualquer parte do país.
A Mina de São Domingos parece-me um excelente exemplo de cooperação anglo-portuguesa. A energia e a visão dos fundadores, a sua determinação vitoriana em acumular fortuna, estas caraterísticas encontraram as condições ideais nesta parte remota do Alentejo há noventa anos atrás. No entanto, como vimos, não negligenciaram os que trabalhavam para eles. Em momento algum seguiram a máxima (formulada a Alice pela "Rainha Branca") de que “Quanto mais há de Meu, menos há de Teu” Pelo contrário - quanto mais havia para todos, e como resultado do seu empreendimento (e sentido de responsabilidade) o nível de vida em São Domingos é consideravelmente mais elevado do que nas zonas circundantes. Os habitantes, abatidos pelas adversidades do passado, começaram gradualmente a confiar nestes ingleses bem sucedidos, engenhosos e eminentemente justos O resultado é a atual mina e aldeia de São Domingos, que é um testemunho das possibilidades do capitalismo esclarecido.
J B. D