Relatório acerca da mina de cobre, sita na serra de S. Domingos-Ano 1861

Ano: 
1861
Autor: 
João Ferreira Braga
Editor: 
Boletim do Ministério das Obras Publicas Comércio e Indústria

Transcrição realizada por João Nunes

Descrição: 

Boletim do ministério das obras publicas
Comércio e indústria
Nº 7-JULHO-1861

PARTE NÃO OFFICIAL
Relatório acerca da mina de cobre, sita na serra de S. Domingos, FREGUEZIA DE SANT'ANNA DE CAMBAS, CONCELHO DE MERTOLA, DISTRICTO ADMINISTRATIVO DE BEJA
A mina de cobre de S. Domingos já n'outras épocas foi lavrada.
A sua descoberta, na atualidade, é devida á presença dos trabalhos antigos de mineração, aos serros de escorias em torno do criadeiro, a estes caracteres indeléveis e significativos de uma atividade industrial.
A quantidade de escorias ali amontoadas calcula-se em mais de 800:000 toneladas! São elas de duas qualidades, distintas pelo aspeto, pelo peso, pelo aproveitamento do cobre e pela posição que ocupam.
Obtidas decerto pelo emprego de processos diversos de fundição denunciam, talvez, que foram já dois os povos que lavraram esta mina. (Os fenícios e os romanos?)
É fora de toda a dúvida o ter ali havido um grande movimento mineiro, o qual deixara de prosseguir por causas extraordinárias, como guerras de conquista, mudança de civilização.
Ainda há bem poucos anos, em 1854, antes de se começar o reconhecimento da massa de cobre, só se observava na serra de S. Domingos uma ermida, que tinha por orago este santo, desmoronada e profanada; era um trato de terreno deserto e inculto: os gados não iam mesmo para aquela paragem.
Presentemente esta serra é de novo um centro industrial, onde se desenvolve muito movimento, onde há emprego de um grande número de braços, e onde se trabalha de noite e de dia.
O jazigo de S. Domingos, um dos mais importantes da península, é uma massa compacta de sulfureto de ferro e de cobre, tendo aproximadamente 600 metros de comprido por 100 de largo, exteriormente bem definido, as salbandas em quase toda a extensão determináveis. O minério, porém, só começa a aparecer à profundidade media de 30 metros.
As minas d'esta classe são mui pouco frequentes; encontram-se na província do Huelva, na Espanha, e em Portugal, ao sul do Tejo; são jazigos de uma categoria especial.
Na maior parte d'estes criadeiros a massa metalizada não aflora, e á superfície não se vê minério de cobre; os xistos apresentam-se torturados e contorcidos com uma direção variável e anormal, geralmente de uma cor vermelha mui intensa, metamórficos ou reduzidos a quartzitos com ferro oxidado e hidroxidado e algum manganês.

São estas as feições gerais e externas, mas não é esta uma completa e perfeita descrição, pois falta exprimir um fácies que caracteriza estas minas, e só o bom observador sabe compreender e não pode traduzir em palavras.
As quartzites com uns certos requeimos e dispostos de um certo modo são os caracteres mais indicativos.
Em quase todas as minas d'esta classe tanto portuguesas como espanholas acham-se postos trabalhos antigos de mineração: a presença e quantidade das escorias, dos poços e dos desagues são as melhores garantias que pode ter um empreendedor.
Em Portugal temos a mina de S. Domingos (Mértola); a do Outeiro dos Algares (Portel); a da serra da Caveira (Grândola); as de S. João do Deserto e Cabeço dos Moinhos (Aljustrel). As duas primeiras concedidas e em lavra. A terceira em via de concessão com grandes trabalhos de exploração. As últimas abandonadas por não ter sido convenientemente trabalhado o campo de S. João do Deserto.
Estas massas com dimensões superiores nos jazigos regulares, em que o minério -sulfureto de ferro e de cobre forma um todo compacto completamente diverso das rochas continentes e sedimentares, são devidas, como o maior numero de jazigos metalíferos, a expansões enérgicas, vindas debaixo para cima.
Atendendo á grandeza e numero dos acervos de cobre, devemos supor o aparecimento d'estas minas ligado a algum grande movimento geogénico, que tenha acidentado esta parte da península.
As minas de Grândola, Aljustrel, S. Domingos, Tharsis (Espanha) encontram-se n'uma mesma linha de sublevação, que tem a direção N. 50° 0. (magnético), constituindo um espinhaço ou cordilheiras de montanhas, que conforme os pontes por onde passam assim tomam diferentes nomes. Junto a estas cordilheiras há outras lombas paralelas, e é esta a acidentação mais geral.
A estratificação dos xistos segue também este rumo e não podemos concluir que a época da ejeção d'estas enormes massas metalíferas coincidiu com a perturbação que determinou o levantamento d'estas rochas silurianas".
Estas considerações têm mais relação com o estudo geológico do país; reservo-me para as ver resolvidas pela ilustre comissão a quem está cometido este importante serviço, e vou passar a tratar da parte industrial da mina de S. Domingos.
Em dezembro de 1858 visitei a mina e observei os trabalhos a que se havia procedido, e bem assim o modo como se tinha preparado o campo para a futura lavra. Houve, como deixo dito, grandes trabalhos antigos; são as páginas históricas d'esta mina: tendo porém sido abandonada por longo tempo, os poços tinham desabado e estavam completamente entulhados; as galerias totalmente obstruídas.
A empresa exploradora curou de limpar e rebaixar o esgoto que desemboca no Pêgo da Sarna: desentulhou e entivou os poços S. Carlos, Santa Barbara, S. Grenier, Carbonera, nº 1, nº 2, nº 3, n.º, n.º 5 e muitos outros sobre o esgoto e na salbanda sul.
Nos poços S. Carlos e Santa Barbara estabeleceram-se os sarilhos para a extração do minério. Em S. Grénier e nº 4 as escadas para a descida dos mineiros. Os três poços S. Grenier, Santa Barbara e n. 5 estavam comunicados por meio de uma galeria, o poço n. 4 com o de S. Carlos; e d'este partia uma galeria para o poço Carbonera, que tinha 5 metros de comprido.
Todas estas galerias sobre o mineral teriam uma extensão de 200 metros correntes. O mineral arrancado seria cerca de 2:000 toneladas inglesas.
Trabalhavam n'este mês 4 mineiros e 26 operários no exterior. A abertura e rebaixamento da antiga galeria de esgoto fez com que se pudesse trabalhar a enxuto em toda a massa, o passando o desague a um nível de 26 a 34 metros havia já minério a desmontar na altura de 1 a 3 metros. Eis o estado da mina n'aquella época; e estas obras de exploração, que representam uma despesa não inferior a 22:000$000 reis, dirigidas e colocadas convenientemente serviram para demonstrar a importância do jazigo e puseram a mina em belas condições económicas para uma lavra regular e desenvolvida.
Neste país tem sido difícil estabelecer a lavra de minas. A pouca tendência dos capitais nacionais para este género de especulação, a falta de pessoal técnico e de operários adestrados n'esta classe de trabalhos, em geral as más comunicações interiores e a escassez dos combustíveis têm retardado o desenvolvimento de uma indústria, que com vantagem se deve aclimatar n'um solo tão cortado de importantes jazigos metalíferos.
A mina de S. Domingos prospera, a sua lavra caminha; as razões do seu incremento são: a inteligente direção técnica e administrativa do engenheiro inglês James Mason; a abundância de capital de que a empresa dispõe e a proximidade de porto de embarque. Acresce ainda não haver ali falta de mineiros*.(*Os mineiros de Tharsis e das outras minas da província de Huelva a quatro e oito léguas de S. Domingos vem ali pedir trabalhos, alem de que já concorrem bastantes mineiros portugueses educados pela empresa)
A concessão definitiva da mina de cobre, sita na serra de S. Domingos, foi feita por decreto de 12 de janeiro de 1857 a Ernesto Deligny, duque de Glucksberg e Eugenie Duclerc.
O presente relatório de inspeção é o primeiro que tenho a honra de levar á presença do governo de Sua Majestade, e bastante satisfeito estou pelo desenvolvimento que tomaram os trabalhos n'esta mina durante o ano de 1859.
A lavra foi estabelecida na parte E. da massa, denominada Curral do Concelho, sendo centros de extração os poços S. Carlos e Santa Barbara. O sistema de galerias como se acha notado na planta das obras subterrâneas representa uma extensão de 815m, 68 correntes, sendo 752, 51 de galerias sobre mineral e só 63m,17 em estéril. As dimensões das galerias são variáveis, geralmente têm 2 metros de alto por 2 metros de largo.
A quantidade de mineral arrancado durante este período foi 793:000 arrobas ou 14:685 toneladas portuguesas.
A media diária dos operários 221; sendo o mínimo 101 no mês de janeiro e 396, o máximo, no mês de dezembro (mapa n. 1).
O plano de ataque consistiu na abertura de galerias de avanço (guias) cortadas por outras proximamente em angulo reto (travessas), deixando pilares ou maciços superiores a 3 metros.
Como se observa pela planta subterrânea, nem as guias nem as travessas são completamente paralelas, em razão de existirem naquele piso trabalhos antigos, que não é conveniente seguir, por demandarem entivações dispendiosas; em parte também as galerias se desviaram para seguir e aproveitar cordas de minério, que dão maior percentagem de cobre e cujo desmonte é menos difícil.
Todas as construções subterrâneas abertas em mineral não necessitam entivação: a rocha é bastante dura e de lenta decomposição. Entre poços e galerias só foi preciso entivar 200m,16 correntes.
As obras subterrâneas são todas feitas por pequenas empreitadas e no fim de cada mês são medidas e no dia 2 pagas. Quatro mineiros (dois de dia, e dois de noite, não avançam n'um mês mais de 3 metros correntes de galeria com as dimensões 2 metros por 2 metros, e o preço por que tomam estes contratos é entre 24 e 30 duros ou 22$080 e 27 $600 reis por metro corrente, sendo por conta do empreiteiro a pólvora, a iluminação e a deterioração das brocas e mais ferramentas. A empresa durante este ano não curou somente dos trabalhos subterrâneos, no exterior foram levantadas muitas construções. Estão feitas as oficinas de carpintaria e de forja, armazéns de arrecadação, 42 barracas que acomodam 168 mineiros, começou a edificar-se a nova casa de administração com o respetivo escritório e habitações para os empregados mais superiores.
Na visita de inspeção que passei a esta mina no fim de novembro próximo passado elogiei a empresa pelo modo acertado com que havia montado os trabalhos, pelo desenvolvimento que tinha tido a lavra, e por se haver em todo seguido as regras de arte.
Por esta ocasião, tendo conhecimento que se pretendia preparar um segando piso de lavra, ordenei que, antes de se começarem as obras, a empresa apresentasse um projeto de ataque para ser este submetido à aprovação do governo.
Chamo a atenção do governo sobre o relatório junto do engenheiro da mina, pois julgo ser uma questão técnica de toda a gravidade a resolução do sistema de lavra a seguir n'um jazigo de uma tão enorme possança.
Resta-me dizer duas palavras acerca da questão dos transportes. Todo o mineral arrancado é enviado a Inglaterra, a fim de ali ser aproveitado o cobre e parte de enxofre.
O minério é uma pirite, cuja percentagem de cobre é variável: pontos há, como junto aos poços nº 1 e Carbonera, em que esta pirite não contém cobre algum, outros espécimes chegam a dar pela via húmida 6, 8 e 10 por cento. A media do minério, analisado por via seca, será de 3 por cento de cobre. A importância da mina de S. Domingos vem não de qualidade, mas da quantidade do minério, que não está misturado com gangas.
O preço por que se vende nos mercados ingleses uma tonelada de mineral, que tem perto de 80 arrobas portuguesas, é cerca de 15$000 reis. Para se auferirem lucros com a lavra da mina de S. Domingos é mister colocar os trabalhos n'uma grande escala, produzir muito e por um baixo preço. A despesa do transporte de uma tonelada desde a mina até aos portos de Inglaterra é proximamente 8:000 réis. Sobre esta verba, que o constante, convém fazer toda a redução possível.
É um princípio geralmente admitido, que nas minas cujo produto beneficiado tem um teor menos elevado e um menor valor, e aí onde se acham estabelecidas as vias de comunicação mais aperfeiçoadas. Nas minas de carvão tiveram origem os caminhos de ferro.
O mineral de S. Domingos é levado em cavalgaduras desde as praças junto à boca dos poços ao Pomarão, porto de embarque sobre o Guadiana, próximo da foz do Chança.
Começou este serviço de transporte em 7 de fevereiro, e até ao fim de dezembro empregaram-se 115:379 cavalgaduras que levaram 685:333 arrobas de mineral. A distância ao Pomarão é de 17 quilómetros. O preço de transporte por arroba foi nos primeiros meses 50 reis; concertado o caminho passou a 40 reis. Atualmente está a 50 reis, a fim de dar vazão ao mineral que está sobre as praças, chamando por este alto preço remunerador cavalgaduras de pontos mais afastados.
Se estas dificuldades aparecem quando há a enviar 15:000 toneladas, o que será quando se exportarem 40:000, que deverá ser a lavra no corrente ano.
Para cortar esta dificuldade o para se obter um transporte mais económico já foi presente ao governo de Sua Majestade um projeto para a construção de um tramway. Com este melhoramento tão preciso, mas que não importará em menos de reis 200:000$000, a mina ficará com condições mais vantajosas, seu producto liquido aumentará consideravelmente.
O mineral levado ao Pomarão è posto em grandes medas junto à margem esquerda do Guadiana e depois embarcado.
Por enquanto não há ainda cais, está provisoriamente feita uma ponte de barcas que presta um bom serviço.
Em 23 de março de 1859 carregou-se o primeiro barco, e até 31 de dezembro despacharam-se 41 navios, como consta de uma nota que me foi fornecida pela alfandega de Mértola.
O mineral exportado montou a 18:075:640 arráteis ou 8:296:718 quilogramas. Para Liverpool despacharam-se 36 navios, 2 para Glasgow, 2 para Swansea e 1 para Newcastle.
O de maior lotação levou 716:800 arráteis, cerca de 415 toneladas; o de menor 205:000 arráteis ou 118 toneladas portuguesas.
Este porto de embarque sobre o rio Guadiana dista da foz, Vila Real de Santo António, oito léguas, e em todo o trajeto não oferece perigo algum para a navegação. De todos os rios portugueses o Guadiana é o que se presta em maior extensão a ser sulcado por navios de maior lotação.
Lisboa, 10 de março de 1860.=0 inspetor de minas do 4.º distrito do reino, João Ferreira Braga.
Está conforme. Repartição de minas, em 17 de outubro de 1861. António José de Souza Azevedo.