
Pesquisa e transcrição:João Nunes
Embaixada de Madrid em 5 de Novembro de 1857
-Sinto encetar a minha correspondência oficial com V. Exa com um assumpto tão grave como o que dá origem à presente nota.
Aos repetidos vexames e perdas que sofrem os súbditos portugueses dos povos da raia tanto nas suas pessoas como na sua propriedade por parte dos Carabineiros, e que por vezes manifestei no antecessor de V.Ex.ª, dão-se infelizmente alguns casos de assassinato perpetrados pelos soldados do mesmo corpo: o de que presentemente me оcuро foi cometido por um Guarda Civil, na pessoa de António José, morador no Monte dos Alves freguesia de Stª Ana de Cambas, Concelho de Mértola.
=Da correspondência do Governador de Beja, da do Administrador do Concelho que tenho presente como também do Auto de Noticia a que em conformidade da lei procederam as Autoridades competentes, concluo, com profundo sentimento, que o referido súbdito Português achando se no dia 5 de Setembro próximo passado pelas dez horas da manhã, no território espanhol junto da Ribeira de Chança, próximo ao sitio do Forno, vendo aproximar-se uma força de guardas civis, receoso de que o molestassem, se lançara a nado; e quando se achava em distancia de perto de dois metros do território Português o Cabo da força dos Guardas civis mandara fazer fogo a um dos soldados do seu Comando sobre o individuo em questão. O soldado obedeceu; fez fogo e o infeliz dando um grito, sumiu se debaixo d’agua.
=No dia seguinte recuperou-se o corpo, e se verificou haver efetivamente sido atravessado por uma bala. = Admitindo a possibilidade destes feitos sanguinários e desumanos, serem originados ou motivados no trafico do Contrabando, ou no crime de roubo que me não consta que o sejam, não há Lei que permita o direito de qualquer individuo levar sumariamente a efeito a maior das penas.
= O Governo de Sua Majestade Fidelíssima não podendo, portanto, consentir neste estado de coisas nem querendo tão pouco persuadir se de que o governo de Sua Majestade Católica consente em que as vidas dos súbditos portugueses da raia fiquem dependentes da vontade ou do capricho de um carabineiro ou Guarda Civil-
=- Ordena me que reclame em seu nome, como efetivamente reclamo, do Governo de Sua Majestade Católica um exemplar e pronto castigo que que ponha termo a semelhantes praticas.
V.Ex.ª conhecerá que sem um exemplo mui severo não é fácil evitar as graves consequências que se poderão seguir uma vez que os povos da raia levados da desesperação, tomem sobre si vingar as vidas dos seus parentes e companheiros. Entrego estas considerações ao esclarecido espírito de retidão de V. Exa cheio de confiança de que o Governo de Sua Majestade Católica adotará medidas tão prontas como energéticas para que de uma vez cessem semelhantes arbitrariedades.
= Aproveito esta ocasião para segurar a V. Exa os sentimentos da subida consideração e apreço com que tenho a distinta honra de ser de V. Exa.
Mui atento e fiel servidor
Ilustríssimo e Excelentíssimo Sr. Dom Francisco Martinez de La Rosa
Assinado Luís Augusto Pinto de Soveral
Está conforme
Madrid em 7 de Novembro de 1857
Dom António de Lencastre Saldanha
