Conceição Vitória Marques nasceu na Mina de São Domingos, no dia 4 de Setembro de 1867, como Mercedes Blasco, nome artístico por si escolhido, teve momentos de glória e de imensa felicidade, mas longe dos palcos conheceu a tragédia e o infortúnio.
Ainda em criança viveu em Huelva (Espanha), localidade onde o pai, que era ferroviário, desenvolveu a sua profissão durante alguns anos, mas aos sete anos estava de volta a Portugal, desta vez ao Porto onde viveu pelo menos até aos seus 20 anos.
Foi na cidade do Porto que iniciou e concluiu os seus estudos, tendo tirado o Curso do Magistério Primário (Professora). Foi ainda na cidade nortenha que principiou a sua carreira artística, ainda com o pseudónimo Judith Mercedes, atuando na peça “Grande Avenida” onde desempenhou o papel de “Jockey”. O uso prematuro de um pseudónimo tem por finalidade evitar que o nome da família fosse de alguma forma “enxovalhado” uma vez que a profissão de artista de teatro, principalmente para as Mulheres, na altura não era muito bem vista.
Em 1890, com apenas 23 anos, e já sob o pseudónimo “Mercedes Blasco” integra o elenco do Teatro da Trindade em Lisboa, à data um dos mais importantes da capital, tendo-se estreado na peça “Mademoiselle Nitouche” de Vaudeville. Representou ainda muitas operetas, um género de teatro musical muito em voga no final do século XIX. Foi no grande teatro Lisboeta que cantou pela primeira vez canções francesas que eram sucesso internacional, Mercedes falava fluentemente o francês, língua que estudou ainda menina quando vivia no Porto.
Entre 1890 e 1897 representou nos principais palcos de Lisboa e do Pais, onde fez enorme sucesso, tendo contracenado com grandes nomes do teatro nacional, como Palmira Bastos ou Augusto Rosa.
Mercedes Blasco foi sempre uma mulher controversa e que procurou desde cedo romper com algumas barreiras do preconceito e do puritanismo vigente, para além de algumas atuações em que procurou inovar em palco, tomando atitudes até então impensáveis para uma Mulher, mesmo em cena, coisas tão simples e hoje banais como usar um “maillot” ou traçar as pernas, o que na época era considerado como obsceno. Também na sua vida privada Conceição tinha uma postura que contrastava com a moral vigente, foi por exemplo a primeira mulher a andar de bicicleta em público, veículo que ela usava nas ruas de Lisboa para se deslocar entre a sua residência no Chiado e os teatros onde trabalhava.
Em 1907 publica o livro “Memórias de uma atriz”. A publicação tão prematura de um livro de memórias, na altura tinha 40 anos, não era uma situação comum, mas devido à sua notoriedade social, o livro vendeu muito bem.
Até 1914 efetuou inúmeras tournées, tendo-se apresentado nos principais palcos mundiais, fez enorme sucesso em cidades como Madrid, Paris, Londres, Roma ou Bruxelas, mas para além das capitais europeias atuou com grande brilho no Brasil, onde e deslocou em digressão por diversas vezes.
Quando eclodiu a primeira guerra mundial, Conceição vivia em Liége (Bélgica) onde tinha casado com um belga de nome Remi Ghekiere e com o qual tinha dois filhos, Stelio e Marcelo, durante a guerra alistou-se na Cruz Vermelha como enfermeira de modo a poder dar auxilio aos feridos e prisioneiros de guerra. No decorrer do conflito recusou-se a cantar para as tropas alemãs, que na altura ocupavam Liége e parte da Bélgica, demonstrando assim mais uma vez a tenacidade e a força do seu carácter. Com o fim dos combates teve uma participação bastante ativa no repatriamento dos militares portugueses feitos prisioneiros pelos alemães.
Ainda durante o decorrer da grande guerra, falece o seu primeiro filho, Stelio, então com 16 anos, vítima da doença e da subnutrição decorrentes das más condições vividas durante o conflito, começa aqui o infortúnio de Mercedes Blasco.
De regresso a Lisboa, na companhia do filho Marcelo, na época já bastante debilitado pelas privações vividas na Bélgica, procura trabalho nos teatros lisboetas, mas o contexto artístico da capital tinha mudado e as ousadias que a tinham tornado célebre não se coadunavam com a sua idade e com a sua condição de mãe de família.
Em 1920 vivia em Lisboa com muitas dificuldades, com a ajuda de alguns amigos tenta entrar para o Teatro Nacional, o que lhe permitiria mais tarde o acesso a uma pensão de que beneficiavam os atores desse teatro. No entanto e embora tivesse tido o apoio da imprensa e se tivesse ressalvado o seu papel no apoio aos prisioneiros de guerra, o seu intento seria gorado e a única vaga existente foi ocupada por outra atriz.
A 13 de Agosto de 1922 o seu filho Marcelo morre, também aos 16 anos, vítima de tuberculose, doença agravada pelas más condições em que vivia, na altura as suas únicas fontes de rendimento eram uma pequena pensão atribuída pelo governo civil de Lisboa, e os parcos proveitos resultantes dos livros publicados e de um ou outro artigo publicado na imprensa.
A partir dessa data e até à sua morte Mercedes Blasco dedica-se apenas à escrita e embora tenha publicado um vasto número de títulos, a sua nova condição de escritora nunca lhe trouxe de volta a glória vivida enquanto atriz, e os rendimentos que daí lhe advinham não lhe permitiam viver desafogada, valiam-lhe os poucos amigos, que nunca lhe faltaram, e que a iam auxiliando como podiam.
Faleceu em Lisboa, a 12 de Abril de 1961 tendo sido sepultada no Cemitério dos Prazeres, onde permaneceu num túmulo sem identificação, na altura vivia “de favor” na casa de uns amigos em Lisboa.
No centésimo quinquagésimo aniversário do seu nascimento o Centro de Estudos da Mina de São Domingos (CEMSD) em parceria com outras dez instituições organiza uma série de iniciativas que visam “resgatar” a memória de Mercedes Blasco, dando-a a conhecer não só aos seus conterrâneos como ao público em geral.
No passado dia 4 de Setembro decorreu uma homenagem no Cemitério dos Prazeres em Lisboa, tendo sido descerrada uma placa no local onde repousam os seus restos mortais, passando o mesmo a estar devidamente identificado em sinalizado, foi igualmente colocada uma placa no túmulo do seu filho Marcelo que se encontrava igualmente “anónimo”.
No decorrer das celebrações está ainda prevista a republicação de um dos seus livros (já no prelo) e a atribuição do seu nome a um arruamento na sua terra natal, a Mina de São Domingos.
Por iniciativa do CEMSD foi elaborado um sítio internet (http://cemsd.pt/mblasco) sobre Mercedes Blasco e que para além da sua biografia, disponibiliza o acesso a muitas das suas obras literárias e uma galeria de imagens que ilustram a sua vida.
Por último gostaria de deixar um agradecimento muito especial ao Sr. António Pacheco que enquanto membro do CEMSD tem dedicado muito do seu tempo a investigar, a fazer contactos e a compilar a informação sobre a Mercedes Blasco que agora tornamos pública.
Luís Baltazar
Coordenador do Centro de Estudos da Mina de São Domingos