Francisco António Chora

Nome do Pai: 
Foto do Pai: 
Nome da Mãe: 
Foto da Mãe: 
Data de Nascimento: 
1929-06-07
Local do Registo: 
Corte de Pinto
Distrito / Pais (se for estrangeiro): 
Beja
Concelho: 
Mértola
Freguesia: 
Corte do Pinto
Local de Nascimento: 
Mina de São Domingos
Estado Civil: 
Casado
Nome do Cônjuge: 

Amélia Martins dos Santos Batista

Residência - Localidade: 
Mina de S. Domingos
Morada: 
Rua da Vista Alegre
Porta nº: 
5
Data de Falecimento: 
2005-05-18
Local da Sepultura: 
Cemitério da Mina de São Domingos
Informação Pessoal: 

Biografia

Empresa: 
Mason and Barry, Ltd.
Data do Registo: 
1947-04-21
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Nº da Caixa de Previdência: 
112
Local de Trabalho: 
Mina S.Domingos
Notas adicionais: 

Entrevistadores - Quando começou a trabalhar ?
FAC - Eu Comecei a trabalhar com 16 anos.
Fui carregar água para os outros operários beberem, mas não era na mina, era cá fora.
Eu tinha uma cuba de madeira, que era onde eu transportava a água.
Ent - E quem fazia esse trabalho como é que se chamava?
FAC Era o aguadeiro. Era uma cuba de madeira, muito pesada e eu era fraquinho, conforme a punha aqui ao ombro.. ai, que
dores tão grandes.. até arranjei quinze chagas num ano.
Depois fiz uma grande asneira. Punha a cuba meia de água para pesar menos, só que arrojava e alnda era pior, teve que o meu velhote mandar fazer uma almofada na correaria em cabedal com um enchimento, para poder aguentar melhor o peso da cuba em cima do ombro. Andava a carregar para a carpintaria.

Ent - Você ia buscar a água onde?
FAC- A uma espécie de bica que estava nas oficinas, cá em cima. Outras vezes não havia ali e tinha que ir à boca do túnel.
Quando havia escassez de água ia a uma fonte ao pé dos tanques.
Ainda lá está essa fonte por baixo da parede da Tapada Grande. Era uma canha... estava limpa, estava asseada, era uma água muito fresquinha, muita boa.
Esta foi uma canha feita para pesquisas, e puseram lá umas máquinas para gerar a corrente eléctrica para a Mina de São Domingos.
A Mina de S. Domingos, foi a primeira terra a ter luz eléctrica e telefones automáticos.
Vindo tudo de Inglaterra Os ingleses que eram muito caprichosos, até se deram ao capricho de trazer terra de Inglaterra para fazer o cemitério.
Ent - E até que idade andou lá?
FAC- Davam-me 25 tostões, era o que nós Ihe chamávamos, pagavam-me dois mil e quinhentos de ordenado. Até aí aos 20 anos, ainda andei lá muito tempo e depois
mudaram-me para as oficinas.
Nas oficinas, os ingleses espertos, tinham uma coisa que a gente começava numa máquina e acabava na outra. Em tendo prática numa máquina, eu fui para a máquina de furar, fazer furos,
passei a fazer furos na chapa, depois passei para outra máquina de enroscar parafusos, de enroscar canos tubos, depois fui para o escapelador (?), depois fui para a fresa
depois fui para os tornos.
Bem, passei por todas as máquinas, e isto nas oficinas durante muitos anos.
Correr isso tudo. Para quando tivessem necessidade de um para uma máquina, mesmo que um que estivesse à máquina adoecesse, tinha um para ir lá para a máquina, para não perderem . Depois, fui
para os serralheiros, porque eu não podia estar de pé ao pé de um torno de bancada grande. Eu não podia estar de pé porque já tinha sofrimento nas pernas e mudei para os eram muito serralheiros.
Porque nos serralheiros uma vez estava deitado, outras vezes estava andando...
Eram as máquinas locomotivas... uma vez iam para ali, outra vez iam para além... sempre fazia forças mas era diferente do que estar ali sempre parado, sempre firme nas pernas.
Depois dali, o meu pai era motorista dos patrões ingleses, e então puxaram-me para a garagem para ir lá lavar os carros. Mais tarde dei em mecânico dos automóveis...
depois houve uma altura em que fez falta um motorista para o serviço para o hospital, eles tinham poucos motoristas fui a Évora tirar a carta.
E claro ia preparado, pois eu já lidava ali com os carros e fiquei logo com a carta. Foi em 1952. Passei a motorista. Fui então para os serviços do hospital. Andei ai 14 ou 15
anos com os médicos, parteiras, essas coisas todas.
O que não tinha era horário de trabalho, era de dia e de noite, era quando aparecia o serviço estava sempre... ia um limpador das oficinas a chamar-me a casa... e eu vinha, pegava no carro, ia à porta do médico ou à porta da parteira para ir a ver os doentes.
Era o concelho todo. Só com um motorista, quase a bem dizer.
Em Mértola, havia um médico, o Dr. Gomes, e a gente aqui já estava mais protegidos nesse tempo. A gente aqui tinha três médicos. Vinha um todos os quinze dias, que era o médico mais deles, que era o senhor Dr. Rocha, que tinha estado aqui de médico e que fol para Lisboa para Director do Hospital de Santa Maria e depols começou a vir aqui de 8 em 8 dias. Ao fim de semana.
íamos buscá-los com os carros, uma vez o meu pai, às vezes até cheguei a ir eu, porque não tínhamos outros e ia eu, da parte da noite. Iamos ao comboio da uma da noite buscá-lo, vinha, ia para o palácio dos ingleses e no outro dia de manhã ia para o Hospital.
Se havia operações fazia operações. Ver os doentes que estavam piores, onde iam eles também, era mais por isso que eles o traziam cá. Porque era um médico muito especializado, era um belo médico. Para os serviços dessa coisa dos partos era fantástico.

Ent - Mas vocês iam ao concelho todo?
FAC Pois ia, ia onde havia operários, por exemplo à Mesquita, ao Alamo, à Corte Sines. Essas aldelas aqui todas.
E depois mais tarde também comecei a ir além para aquele lado do rio. la dar consultas a Alcaria Ruiva, numa casa pré fabricada que tinha lá, dava lá consultas. E havia pessoas que tinham doentes que não podiam se deslocar ali e eu ia com ele às chamadas. AO Algodor, ao Vale de Açor, à Amendoeira da Serra.
Aquilo ali era tudo corrido pelo médico.
Quando precisavam tinham chamadas.
Ent- Então e esteve como motorista até que idade?

FAC Tive como motorista, e ainda tenho aqui a carta, na companhia até me deitarem de lá para fora, Fui motorista 15 ou 20 anos, até quase a mina acabar.
Mas eu tive um azar. Quando a mina começou a dar descaída, eles começaram a fazer, uns portugueses que estavam aí, queriam abrir falência à Mina, e então começaram a atacar os operários... Onde
eu comecei a ser atacado.
Para ver se a gente se aborrecia, se a gente se ia embora, ou para fazer o que eu fiz asneira, fiz mal. Bati num dos principais desses que queria acabar com isto.
Sabe porquê?
Chamava-se Gregório Colorado. E então, fazia uma série de patifarias. Chegou a pontos, ia a gente com os carros, fui com o carro, telefonava para a garagem é claro a pedir o chaufer que eles queriam: "Faz favor, venha cá fulano à porta do Palácio para sair com a gente. Eles andavam enganando.
Compradores que vinham, para fazerem posse disto, e então não queriam que a - gente ouvisse as conversas, percebe, e então, diziam"Fique ai até que a gente venha que não faz cá falta".
Ora eu tinha uma carta de profissional e não me parecia aquilo bem, nem o diabo. Não me parecia nada bem. E sucessivamente.
Ficava a gente lá, desculpe a expressão, a grunir, até que eles viessem. lam com uma carta de amador fazer o serviço de um profissional. E eu ficava ali feito um cão à porta do palácio. E eu custou-me isso tanto ou tão pouco... Tive mal pensar. Custou-me tanto que à tarde quando saí dali que eles vieram e me entregaram o carro, veio o carro... mas depois fui, quando ele estava com uns de conversa.. ia todas as tardes tirar aqueles... é os lacaios... que eles tinham para tirar deles, para saberem tudo.
E então estava com os lacaios e eu fui lá... então está satisfeito, não está? Com o que me tem feito e com o que me fez hoje... trás!
Prego-lhe logo um (murro imitado pela expressão de mãos do entrevistado) num - lado, quando ia no ar já tinha logo outro. E então, deu-se me esse azar. Tive a pouca sorte...
Sabe quanto é que me saiu? 75 dias de cadeia. Porque eu até era para ser absolvido, porque eu tinha as razões todas.
Mas não fui porque eles tinham tudo!... tinham tudo. Tinham médico... Bem, tinham o que queriam. Tanto que tinham um em Beja, que era o doutor Limas, esse que fazia as radiografias... e a gente ia lá com os operários.
Eram todos a tuberculose. Não havia nenhum com silicose. Aquilo para mim era como quem me ditava fogo.
Ent- Portanto começou a trabalhar na mina aos 16 anos, e o que é que fazia na mina durante todo o dia até à noite?
FAC-Carregava água e ajudava noutras coisas, naquilo que fazia falta, era ajudante, por exemplo, ia à fundição buscar as peças em bruto, e depois é que passei à máquina de furar.
Ent-Mas isso quando ainda era aguadeiro? Quando saía do trabalho da mina ia fazer o quê?
FAC - Saía às 17h e depois ia para a horta, para a pesca, passear, jogar à bola, etc..
Tínhamos uma brincadeira que tínhamos ainda papagaios: eram as estrelas que fazíamos com canas e panos e depois o fio, jogávamos ainda à pintarola, em que fugíamos uns atrás dos outros, quem fosse apanhado ficava de castigo a tentar encontrar os outros e dizia-se "arrebenta que eu já te vi", e esse passava a ser o pintarola.

Ent- E então a escola?
FAC - A escola foi antes de eu ir trabalhar. Eu andei numa escola que havia na minha rua, a rua da Igreja, e as aulas eram dadas por a senhora Maria José Vaz (http://cemsd.pt/node/5932).
Esta escola era particular, pois na altura ainda não haviam escolas oficiais. Para as escolas oficiais entrava-se com 7 anos de idade.
A professora mais velha da escola oficial ainda é viva, a senhora Ana Viana, e até Vive na Mina.
Ent- E essa senhora foi sua professora?
FAC - Não, não foi minha professora, porque os alunos eram distribuídos por zonas. Quando nos portávamos mal mudávamos de uma classe para outra.

Ent - Então você foi para escola antes de ir para a oficial?
FAC Isso acontecia com todos. Na escola até para ir a oficial andei desde os 4-5 anos até aos 7 anos. Portanto aos 4 anos entrava-se para a escola particular e aos 7 anos, para a oficial.
Ent - Depois de sair da escola e até entrar para a mina aos 16 anos, o que é que fazia?
FAC- Fiz tanta coisa, por exemplo, aos sábados ia carregar serradura que ao sempre dava um dinheirinho para ir ao cinema.
Ent Você deixou de ser aguadeiro e foi para as oficinas. Nas oficinas fazia o quê ao princípio?
FAC Trabalhava nas máquinas de furar, e passei ainda por todas as outras máquinas, depois fui mudado para a garagem onde passei a lavar carros, comecei também a fazer trabalhos de mecânica.
Entretanto despediram-me, mas a mina só acabou ao fim de 3 a 4 anos depois.
Como me despediram comecei a trabalhar por conta própria. O meu filho começou a trabalhar comigo, mas depois ofereceram-Ihe trabalho como mecânico numa empresa italiana em Sines.
Ent - Há pouco falou-nos de quando houve a greve na mina, não quer voltar a falar nisso e contar-nos do que se lembra
FAC-Dessa altura pouco mais me lembro, porque eu tinha apenas 3 anos.

Ent - Em que dia é que o senhor Chora
nasceu?
FAC - Em 7 de Julho de 1929.
Ent Nós queríamos ainda saber sobre a luta dos mineiros.
FAC-Lembro-me que se fazia a festa de Santa Bárbara a 4 de Dezembro e a festa de S. Domingos dia 15 de Agosto, que era o padroeiro dos mineiros.
A Santa Bárbara era a santa dos da contra-mina e o S. Domingos o santo dos que trabalhavam nas Oficinas. Lembro-me do sindicato dos operários mineiros, que era ao pé de uma escola. Quando este sindicato estava quase pronto, prenderam alguns mineiros.
Lembro-me de nesta altura, por volta dos meus 3 anos, ter havido a greve da mina, em 1932. No dia da greve houve um funeral.
No exacto momento em que o funeral ia passando às portas da casa do meu avô, apareceu a Guarda Fiscal a cavalo, que pensando que aquilo seria uma manifestação, entrou pela casa a dentro
batendo em todos aqueles que apanhava. O meu avô, como já estava bastante mal, acabou por falecer nessa altura.

FAC-Esta era uma terra com muitos militantes comunistas. Chegou a haver a Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa, pois havia muitos lacaios.
Quando eu andava na 2° classe, tinha de se usar fardas com bivaque, emblemas do estado, e faziam-se exercícios com balas de madeira e espingarda, nos campos de futebol. Fez-se também uma cadeia, que era no local onde são hoje os correios.
Ent - Mas prenderam lá alguém?
FAC-Nunca se chegou a acabar de construir a cadeia.

(Entrevista publicada no CD 150 anos Mina)