Valentim Adolfo João

Nome do Pai: 
Nome da Mãe: 
Data de Nascimento: 
1902-03-30
Data de Baptismo: 
1902-06-29
Local do Registo: 
Aljustrel
Distrito / Pais (se for estrangeiro): 
Beja
Concelho: 
Aljustrel
Freguesia: 
São Salvador
Local de Nascimento: 
Aljustrel
Estado Civil: 
Casado
Nome do Cônjuge: 
Data do Casamento: 
1926-01-17
Local do Casamento: 
Mina de São Domingos
Residência - Localidade: 
Mina de São Domingos
Local para onde emigrou: 
Puebla de Guzman-Casa Del Duque
Data em que emigrou: 
1932-11-??
Data de Falecimento: 
1970-01-29
Local de Falecimento: 
Setúbal
Informação Pessoal: 
Observações: 
Renovação da matricula na área consular de Huelva em 30/10/1934 e 29/01/1936.
Assento de Nascimento: 
Assento de Casamento (2ªs núpcias): 
Assento de Casamento (3ªs núpcias): 
Assento de Óbito: 
Empresa: 
Mason & Barry
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Departamentos: 
Laboratório quimico
Local de Trabalho: 
Mina de São Domingos
Notas adicionais: 

Deslocaram-se a Lisboa à Rua do Alecrim(sede da revista ABC),cinco* dirigentes das Associações dos Mineiros, uns de Aljustrel outros da Mina de São Domingos, onde, na sequência de correspondência mantida com o seu director Rocha Martins, e por este autorizados, foram ouvidos por um jornalista.

Na edição nº 537 de 30 de Outubro de 1930 , foi então publicado no ABC um longo artigo que passo a transcrever na íntegra:

Eis na íntegra o artigo publicado sob o título:

Vidas Sombrias - Como Vivem os Mineiros de São Domingos e Aljustrel Magros, esquálidos, como farrapos humanos que a impiedade dos homens atirasse para o enxurro, para o subsolo da vida - que é já o limiar da morte - com todo o ar aflitivo de náufragos que andassem perdidos nas ondas durante dias intermináveis, durante eternidades, os mineiros de S. Domingos e de Aljustrel que há dias tivemos na nossa frente como um friso vivo de sofrimento, deixaram-nos uma tão funda e dolorosa impressão de espanto, que dificilmente ela se apagará da nossa retina, enquanto nos restar um pouco de memória e tivermos alma para sentir os males que afligem os desgraçados. Não sabemos se foram atendidos. Não lho perguntámos e eles não no-lo disseram. As suas reclamações, porém, é que, segundo cremos, chegaram ao seu destino. Elas vinham expressas num pequeno papel cujos dizeres alguns jornais publicaram. É possível que a engrenagem burocrática retenha esse papel antes que reproduza os seus desejados efeitos. Mas o que eles não poderão dizer nunca, é que em Lisboa só encontraram corações empedernidos e almas obscurecidas que não souberam compreender a sua dor em toda a grandeza da sua aflitiva tragédia, porque pelo menos alguns houve que a sentiram profundamente como se a irmãos ela afligisse. Nesse número estamos nós, os que trabalhamos nesta casa sob a generosa orientação de quem dirige o nosso labor. Se mais nada obtiverem os infelizes mineiros de S. Domingos e Aljustrel, ficarão ao menos com a certeza de que nem todos os homens possuem almas tão áridas e fechadas como as desses monges ascetas, cujos olhos, sempre postos no céu, os não deixam ver as misérias da terra.
E afinal o que pedem os mineiros? Simplesmente justiça. Essa justiça resume-se nisto que é bem simples: trabalho para todos e diminuição das horas extraordinárias que a uns sobrecarrega de trabalho superior às suas forças e a outros privam do necessário para viver.

Esta é a questão principal cuja solução eles pedem com mais insistência e reputam mais urgente. Depois há outras sobre as condições de trabalho que nós consideramos não menos graves e importantes. Queixam-se os mineiros da falta de elevadores nos poços das minas, o que os obriga a subir cento e cinquenta metros, (Cerca de quatrocentos degraus!), após oito, nove e mais horas de trabalho intensíssimo. Essa ascensão penosa sobre quatrocentos degraus húmidos e escorregadios, numa escada sem resguardo sob a iminência de uma queda no abismo, é das coisas mais tristes e desumanas que podem imaginar-se. Já não é por uma questão de justiça que a nossa sensibilidade se confrange, perante tão desolador espectáculo: é por um natural sentimento, um elementar dever de humanidade inerente à nossa condição de homens. Se em Lisboa se proíbe que os animais atrelados subam as ladeiras mais íngremes, porque se permite ainda que pobres seres humanos, fracos e alquebrados, após horas e horas de trabalho exaustivo, molhados até aos ossos, subam esse verdadeiro calvário de quatrocentos degraus, ao fim do qual os espera, no desconforto dos lares, o magro caldo que lhes enganará os estômagos debilitados e famintos?! Já alguém pensou nisto a sério, com olhos humanos, debruçados sobre as misérias do mundo? Perguntarão talvez os incrédulos: mas não há vistorias oficiais a esses lugares de suplício? Há. Mas todos nós sabemos- pelo menos os jornalistas sabem-no muito bem - o que são as visitas de carácter oficial. Pura ficção, simples cortesia, mera troca de saudações. Há sempre um encarregado solícito que explica tudo, às vezes sem que lho perguntem, como que a não dar tempo que as visitas oficiais se desviem para outros pontos que devem permanecer ocultos... Aos infelizes que estão na última escala da hierarquia, àqueles cuja sorte está em jogo, não é costume interrogar. Isso equivaleria a uma falta de confiança para com os dirigentes. Deste modo os males continuam sem remédio, indefinidamente. Ora para que tal não suceda, é que os mineiros de São Domingos e Aljustrel insistem para que se faça uma vistoria oficial às suas actuais condições de trabalho mas sob a indicação de um delegado do seu respectivo sindicato. Eles partiram com essa esperança no olhar. Oxalá ela não se extinga, pois cansados de esperar, deixarão de confiar nos homens, para apenas confiar em si próprios.

(O jornalista que os acolheu e escutou, Herculano Pereira.)

*Os dirigentes das Associações dos Mineiros que se deslocaram a Lisboa foram os seguintes:Josué, Delgadinho,Silva, Patrício, Valentim Adolfo João e Francisco Horta.

MINA DE SÃO DOMINGOS, 25/06/1924

— inaugurou-se no dia 22 do corrente a Associação de Classe dos Mineiros de São Domingos. Ao acto compareceram para cima de mil pessoas. A filarmónica da vizinha vila de Mértola, percorreu algumas ruas sempre acompanhada por grande parte do povo.
À sessão inaugural presidiu o deputado Sá Pereira, regozijando-se pelo facto dos operários de São Domingos, pretenderam organizar-se, manifestado o desejo de todos os operários, ingressarem no seu baluarte de defesa, única maneira de conseguirem a sua emancipação. Valentim João, secretário geral do sindicato, refere-se gratamente a todos que têm dado o seu esfôrço para criação, do sindicato; lamenta as injustiças praticadas nos últimos tempos e em especial aquelas exercidas na Mina de São Domingos.
Francisco Viana, delegado da C. G. T. manifesta o seu regozijo em nome do proletariado organizado, pela criação do novo sindicato, cujos frutos poderão utilizar os operários se êstes souberem fazer prevalecer os seus direitos.
Augusto Machado, delegado dos Mineiros de Aljustrel, afirma a vitalidade da sua organização e incita os mineiros de São Domingos a fortalecerem-se, no seu baluarte, desejando que ele não seja desamparado pelas investidas patronais.
António Marques Gaisinha, delegado dos rurais de Serpa apresenta uma saudação.aos mineiros. Gonçalves Correia, que fala durante 2 horas, demonstra a necessidade da associação, crítica os tímidos, recorda os mártires da causa emancipadora do povo, censura os ilustrados» burgueses, cúmplices dos maiores crimes e abraça fraternalmente todos os indivíduos úteis à humanidade, disserta sôbre o amor e a solidariedade.
Manuel Cândido, professor oficial saúda os operários e bem assim todos que se prestaram para abrilhantar o acto inaugural da associação dos mineiros, põe em evidência os motivos porque o gerente da mina o odeia e persegue, apontando a razão das suas justas campanhas, e as injustiças praticadas por esse individuo, chamando a atenção do sr. Sá Pereira e do delegado do C. G. T. Discorda em parte com a acção da C. G. T. pois que esta devia levar ao parlamento delegados seus.
Francisco Viana usa novamente da palavra para refutar o orador afirmando ser a G. G. T. anti-parlamentarista por saber afirmar-se na verdade e na justiça e haver na organização sindicalista tudo quanto é preciso para remodelar a sociedade desde que se criem todos os seus órgãos. Refere-se às perseguições de A Batalha. O secretário geral do sindicato lê uma moção sobre A Batalha, o que o presidente põe à aprovação, sendo esta aprovada por aclamação, em seguida é encerrada a sessão, tendo manifestado o seu regozijo pela maneira como decorreu o acto inaugural. Foram levantados vivas à organização operaria, à C. G. T. e à Batalha.

Valentim Adolfo Joáo (n. 30. Mar. 1902, Aljustrel - m. 29. Jan. 1970) era entáo delegado da Federação Mineira na região sul. Filho de mineiros, nasceu na mina de Sao Domingos, onde fez a instrução primária. A sua inteligencia, dedicação ao trabalho e intervenção junto da direcçao mineira em defesa dos trabalhadores, cedo o levou a destacar-se como um «dirigente da classe». Recusou várias «ofertas» de emprego na Inglaterra. Valentim era «químico», ou seja, trabalhava no laboratorio de análises do minério, urna actividade que desenvolvía em contacto permanente com os engenheiros e a chefia da empresa. Fundou com outros o grupo anarquista Grupo de Estudos Sociais no inicio dos anos'20 que desenvolveu urna actividade de propaganda e organização sindical na regiáo. Ele aparece ligado à greve frustrada de 1923 em Sáo Domingos (devido à satisfação de algumas exigencias por parte do patronato) que levaría à formação do Sindicato Mineiro.
(Extraído de INDÚSTRIA E CONFLITO NO MEIO RURAL Autor:Prof. Paulo Eduardo Guimarães

VALENTIM ADOLFO JOÃO (1902 – 1970)
Cidadão da Resistência, activo militante antifascista e dirigente anarco-sindicalista. Viveu na clandestinidade de 1934 a 1949. Acusado de ter fornecido a dinamite usada no atentado contra o ditador Salazar, levado a cabo em 1937 por um grupo que integrava Emídio Santana e outros libertários e antifascistas, Valentim João foi condenado a uma pena de 28 anos e cumpriu 15 anos de prisão, em Peniche.
1. Nasceu em 30 de Março de 1902, em Aljustrel e morreu em 29 de Janeiro de 1970. Era filho de Adolfo João (mineiro) e de Ana Gatas. Irmão de Manuel Patrício, de António Adolfo João e de Maria Ana João, (todos ligados à actividade mineira, na Mina de São Domingos e em Aljustrel). Teve um filho, Valentim Adolfo Fischer. Com 3 anos de idade foi adoptado por familiares em virtude de doença dos pais. Em 1915 começou a trabalhar no Laboratório Químico das Minas, mas a guerra obrigou-o a interromper este trabalho, só o retomando em 1918. Com a profissão de técnico de laboratório de minas, viveu a maior parte da sua vida em Aljustrel, onde trabalhou nas Minas de S. Domingos.
A questão social então latente determinou, nas minas, a necessidade da criação de um sindicato dos mineiros e Valentim Adolfo João iria destacar-se como dirigente do Sindicato dos Mineiros, quer na Mina de São Domingos, quer em Aljustrel. Activista importante desde a sua fundação, foi por isso afastado do emprego, em Abril de 1924. A sua actividade sindical começou em pleno, em 1923, com a defesa dos interesses dos trabalhadores da região do Concelho de Mértola. Viu a casa ser invadida pela polícia, por duas vezes e, então, todos os seus os pertences domésticos destruídos.
Terá sido preso em 1924 por lançamento de uma bomba. Foi delegado ao Congresso Operário de 1925; Membro do Grupo de Propaganda e Estudos Sociais da Mina de S. Domingos, de 1923 a 1933; e participou na Conferência Anarquista do Sul de 1925 – UAP. Foi delegado ao Comité Confederal da C.G.T. nos anos 30, activo organizador da Federação Mineira e Metalúrgica e, também, das acções de resistência, em São Domingos (Mértola), contra as iniciativas dos governos da ditadura contra os trabalhadores. Foi organizador das caixas de solidariedade e das mutualidades mineiras para auxílio na doença e no desemprego.
Nos anos de 1924-1930, exerceu cargos directivos no Sindicato dos Operários da Indústria Mineira, das Minas de S. Domingos. Em Outubro de 1930, integrou uma delegação de sindicalistas que se deslocou a Lisboa a fim de informar os jornais das más condições de vida dos mineiros da mina de S. Domingos e da mina de Aljustrel, conseguindo a publicação de um artigo na revista ABC com o título "Vidas Sombrias" (1).
2. Em 1931 voltou ao Laboratório e, em 1932 participou na última grande greve dos mineiros da Mina de S. Domingos, dirigida pela CGT (2). Por ter participado nesta greve das minas (com consequente repressão feroz), Valentim João viu-se forçado a exilar-se durante 4 anos, em Espanha, perto da fronteira (3). Em Agosto de 1936 entrou clandestinamente em Portugal, vivendo entre os corticeiros do Barreiro, até fins de 1937, para combates da luta antifascista.
Em 1937 participou no atentado a Salazar e, para escapar à caçada policial, fixou-se novamente em Espanha, mantendo-se "na defesa dos seus ideais" até ao final da guerra civil. Valentim Adolfo João, acusado pela PVDE de ter fornecido a dinamite, havia sido julgado à revelia pelo Tribunal Militar, em Março de 1939 e condenado a 23 anos e 8 meses de degredo "em possessão de 2ª classe". [O regime fascista aproveitou esse acontecimento para perseguir e prender muitos democratas]. A partir daí, Valentim Adolfo João usou um pseudónimo (José Dias), até 1946, data em que foi reconhecido em Setúbal.
Partiu novamente para o exílio em Espanha, mas voltou a Portugal clandestinamente, acabando por ser preso em Setúbal (Caminhos de Ferro), em 10 de Novembro de 1949. Depois de passar algum tempo no Aljube, deu entrada no Forte de Peniche em 2 de Fevereiro de 1950.
Quinze anos depois, em 29 de Abril de 1964 foi posto em Liberdade.
Morreu em 29 de Janeiro de 1970, em Setúbal. No seu funeral a PIDE ainda esteve presente ("para ter a certeza que o anarquista morrera mesmo!." - Depoimento prestado pelo seu filho Valentim Adolfo Fischer a E. Rodrigues).
Tinha sido condenado a 28 anos de prisão e iria ser o último dos anarco-sindicalistas libertados das prisões políticas da ditadura. Quando saiu do Forte de Peniche estava já fisicamente destruído (3).
Na casa onde viveu, em Aljustrel, está colocada (desde 1997) uma placa, que evoca o seu nome e a sua luta pela Liberdade.
No dia 1 de Fevereiro de 2020, por ocasião dos 50 anos da sua morte, foi homenageado pela Comissão de Moradores da Mina de São Domingos.
Notas:
(1) Deslocaram-se à Revista ABC, cinco dirigentes das Associações dos Mineiros, uns de Aljustrel outros da Mina de São Domingos: Josué, Delgadinho,Silva, Patrício, Valentim Adolfo João e Francisco Horta. Na edição nº 537 de 30 de Outubro de 1930 foi publicado um longo artigo, onde se podia ler: «Vidas Sombrias - Como Vivem os Mineiros de São Domingos e Aljustrel» _ Magros, esquálidos, como farrapos humanos que a impiedade dos homens atirasse para o enxurro, para o subsolo da vida - que é já o limiar da morte - com todo o ar aflitivo de náufragos que andassem perdidos nas ondas durante dias intermináveis, durante eternidades, os mineiros de S. Domingos e de Aljustrel que há dias tivemos na nossa frente como um friso vivo de sofrimento, deixaram-nos uma tão funda e dolorosa impressão de espanto, que dificilmente ela se apagará da nossa retina, enquanto nos restar um pouco de memória e tivermos alma para sentir os males que afligem os desgraçados. (…) Deste modo os males continuam sem remédio, indefinidamente. Ora para que tal não suceda, é que os mineiros de São Domingos e Aljustrel insistem para que se faça uma vistoria oficial às suas actuais condições de trabalho mas sob a indicação de um delegado do seu respectivo sindicato. Eles partiram com essa esperança no olhar. Oxalá ela não se extinga, pois cansados de esperar, deixarão de confiar nos homens, para apenas confiar em si próprios»
.(2) A última grande greve em São Domingos registou-se em 1932 e seguiu-se-lhe então uma violenta repressão, com os elementos mais destacados a serem perseguidos, presos e despedidos da mina. A partir daí, a presença anarquista e anarco-sindicalista em São Domingos começou a decrescer e o último dirigente sindical anarquista foi Valentim Adolfo João.
.(3) Há uma referência a Valentim Adolfo João no livro “Memórias de um prisioneiro do Tarrafal” (1975) de José Correia Pires, em que este anarquista conta a sua fuga do Algarve, nas vésperas do 18 de Janeiro de 1934, a caminho de Espanha. De Beja passa à Mina de São Domingos e refere a passagem na fronteira, “Na fronteira descalcei-me, arregacei as calças e com a companhia de um camarada de nome António Patrício, irmão do velho militante anarquista Valentino Adolfo João, excelente camarada e envolvido mais tarde no atentado a Salazar, esteve preso mais de uma dezena de anos (…). Valentim Adolfo João estava fixado a umas dezenas de quilómetros da fronteira e fui dirigido a ele. Ali o encontrei feito agricultor, vivia com a mulher e filhos numa barraca de vime. Já nos conhecíamos por correspondência, mas quando o vi, cabeleira ao alto e desenvolta, lembrei-me da «Cabana do Pai Tomás», e Valentim dava na verdade uma excelente figura de romance. Fazia a sua sementeira e era um autêntico camponês. Fiquei ali um dia e uma noite e recordo-me que ele gozava ali de bom ambiente, nessa noite fomos visitados por uma patrulha da guarda fiscal ou os chamados «carabineiros» (…).
Biografia da autoria de Helena Pato

Do escravo Domingos ao anarquista Valentim – uma viagem genealógica Artigo do Blogue "Tudo em Família" sobre a família de Valentim Adolfo João.