João Francisco Martins
Leoneste Serrão Martins
Ondina Narciso Palma
Biografia
NOTAS BIOGRÁFICAS
Nascido a 25/03/44 em Mértola, fez a Escola Primária nesta Vila, bem como o 1º ano do ensino secundário. Iria para o Seminário do Telhal prosseguir os estudos única alternativa viável, por razões económicas, já que ficou sem pai aos 11 anos de idade. Concluiu, naquela escola o 4º ano do ensino secundário, regressando a Mértola, onde, matriculado no Externato D. Sancho II fez o 5º ano.
Depois, a necessidade de trabalhar para, como irmão mais velho, ajudar a manutenção da família e surge o primeiro emprego aos 18 anos: na Caixa de Previdência dos Empregados de Escritório, em Lisboa, tendo depois transitado para uma dependência da mesma Caixa na Mina de S. Domingos, onde permaneceu 5 anos (período que aproveitou para fazer o 6º e o 7º anos), data em que foi chamado para cumprimento do serviço militar obrigatório (03/01/67) cuja recruta fez em Mafra. De Mafra, para Vendas Novas e daí para a Madeira, regressando ao Continente Penafiel e daí para Moçambique para onde embarcou em 18/05/68. Regressa em Agosto de 1970.
Voltou ao trabalho, para a Caixa de Previdència, em Beja, que havia, no entanto, de se manter por pouco tempo, já que no ano lectivo de 1971/72 vamos encontrá-lo a leccionar no Externato Municipal D. Sancho II, não mais abandonando a via de ensino. Em 09/09/72 casa com Ondina Narciso Palma Serrão Martins. No ano seguinte, a 21 de Dezembro, nasce o único filho do casal, João Miguel.
Em 25/04/74 os militares devolveram a liberdade a este povo e Serrão Martins é imediatamente solicitado por esse povo que desde logo lhe reconheceu o mérito, para integrar uma Comissão Administrativa para a Câmara Municipal. Encabeça a lista Be a lista B sai vencedora. E o júbilo! A alegria da vitória - a dele e a do povo deste concelho que não mais deixaria de provar-lhe a sua confiança, voltando a elegê-lo, sempre que havia eleições. Embora ocupado com a gestão da Câmara, Serrão Martins continuou, a pulso, firme, subindo a escada da vida, estudando, enriquecendo os seus conhecimentos e colocando-os ao serviço do concelho e foi assim que em 25/07/77 concluiu a Licenciatura em História. A frente dos elencos autárquicos Serrão Martins revelou-se o-líder incontestado não no sentido habitual da expressão nem por a sua acção ser paternalista, autoritária ou espectacular mas sim pela sensibilidade (patente já nos seus textos dos vinte anos) para os problemas do Alentejo e em especial do seu concelho, pelas suas qualidades humanas e intelectuais, pela sua capacidade para ouvir os outros e as opiniões contrárias, pela sua flexibilidade. Enfim, pela sua maneira de ser amiga, bondosa mas também firme e decidida.
A visão esclarecida que ele tinha dos problemas e do papel do Poder Local, na sua resolução conjugada com uma acção decidida e corajosa trouxeram o progresso a este concelho vencendo em meia dúzia de anos a letargia de 50.
(Edição da Câmara Municipal de Mértola)
https://www.fundacaoserraomartins.pt/index.php?id=patrono&lang=pt
Textos de Serrão Martins:A MINA DE S. DOMINGOS E A INDÚSTRIA TÊXTIL
Eufórica, a Mina de S. Domingos agradece a todas as entidades que directa ou indirectamente intervieram na concessão do Alvará para instalação de uma fábrica têxtil nos seus terrenos. Foram enviados telegramas ao Ministro da Economia, Secretário da Indústria e Governador Civil, mas a melhor prova de gratidão, de esperança, alegria e apoio, recebeu-a o Presidente da Câmara de Mértola, quando imediatamente após a notícia da concessão do Alvará, se deslocou à Mina de S. Domingos e no intervalo da sessão de cinema que decorria, comunicou, deveras emocionado, a boa nova. A sala animou-se de repente, estrugiu em aplausos, palmas e vivas. A onda de entusiasmo aumentou, engrossou enormemente e impetuosa galgou as paredes do Teatro submergindo toda a povoação. O filme, que nos recordava figuras célebres da Guerra da Independência da América, acabou nesse instante, pois até final não mais houve silêncio nem quietação. Sussurros persistentes e contagiosos, palavras sopradas a mela voz, sorrisos abafados e nervosos
bailavam no ar sem o mínimo respeito por Washington e La Fayette. Foram dias angustiantes de fé e esperança os que mediaram o apare cimento da COPAL interessada na instalação de uma indústria têxtil e con cessão do Alvará respectivo, justamente coroados no passado dia 4 com aqueles momentos de expectativa, apreensão, alegria e triunfo em que o Presidente da Câmara disse: «Senhores, logo no meu acto de posse vos disse que a situação da Mina de S. Domingos me trazia graves preocupações...».
A Mina festeja o acontecimento. Há mais vida, melhor disposição, mais
optimismo em todas as pessoas. Os jornais falaram já no assunto. A Emissora Nacional incluiu a nova nos seus noticiários. E tudo parece correr de vento em popa.
A Mina de S. Domingos tem assegurada a sua subsistência. A tão falada «situação da Mina de S. Domingos» resolveu-se. Os trabalhadores da Mason and Barry que foram despedidos passarão para a fábrica de têxteis.
Tudo demasiado simples! E assim o problema analisado superficialmente e de fora para dentro.
Na verdade, alguma coisa se resolveu, mas o «verdadeiro problema continua de pé e sangrento.
A indústria têxtil garantirá, sem dúvida, a continuidade da Mina de S. Domingos, empregará muitos jovens da Mina e do Concelho, muitos dos desempregados da Mason and Barry, mas não empregará trabalhadores com mais de 50 anos e que nem têm a menor ideia do que é um tear mecânico. São estes homens que gritam que a situação da Mina de S. Domingos não está resolvida. Homens com vinte e trinta anos de mina, que ali experimentaram na sua carne jovem o travo bem duro do trabalho e arrastam agora os seus corpos esgotados e vazios. Homens que depois de uma vida de trabalho se encontram mais pobres do que quando começaram. Nem se conhecem já! De quem serão aqueles rostos macilentos e rugosos encimados por crânios lívidos? Serão os seus? E aqueles corpos magros e ossudos a quem pertencerão? Serão seus? E serão seus, ainda, aqueles braços débeis e aquelas pernas mirradas e frouxas?
E quando um homem chega a este estado, quando pensa assim e sente desta maneira, então é inútil lutar, então já não quer, já não sabe, já não pode recomeçar...
Certamente que a fábrica de têxteis é uma obra válida, um marco do lento progresso do Concelho de Mértola, que poderá ser a mola que faltava para se tentarem voos mais altos e mais largos, mas é bom que os aplausos, as palmas e os vivas não façam esquecer que o problema da Mina de S. Domingos não fica completamente resolvido.
E A MINA DE S. DOMINGOS SORRI
De súbito, um raio de sol iluminou a Mina de S. Domingos. A escuridão, que há anos se adensava, tornou-se mais clara e a esperança que há muito desaparecera regressou forte e vigorosa..
Nas colunas de todos os jornais, a notícia causou sensação: «UMA FÁBRICA DE PRODUTOS TÊXTEIS NA MINA DE S. DOMINGOS EMPREGARA CERCA DE 1 500 OPERARIOS».
Os corações voltaram a bater. Os rostos animaram-se, ganharam novas cores. A vida agitou-se. E a dolência e fatalismo alentejanos quebraram-se. Sob a orientação do Sindicato organizou-se uma comissão, representativa da margem esquerda do concelho de Mértola, que se dirigiu à Câmara Municipal para solicitar as diligências necessárias junto da COPAL (a empresa fabril) e das autoridades competentes. O presidente da Câmara, depois de ouvir a petição feita pelo Chefe de Serviços do Sindicato dos Mineiros, que representava a comissão presente, informou que o Município já se havia posto em contacto com a COPAL e com as autoridades oficiais. Mostrou sobre a secretária cópia de todos os documentos apresentados pela COPAL ao Ministério requerendo autorização para a construção de uma fábrica de têxteis. Primeiro, a empresa referida não indicava o lugar da construção, mas posteriormente apontou a Mina de S. Domingos como o sítio ideal para a edificação da sua indústria têxtil, baseando-se em causas várias de ordem económica e social.
O presidente da Câmara informou ainda que iria ser organizada uma comissão concelhia que acompanhará o Governador Civil de Beja a Lisboa a uma audiência solicitada ao Ministro da Economia, a fim de tratar do assunto e afirmou várias vezes que a Câmara Municipal de Mértola lutará com todas as suas forças para que a fábrica seja edificada na Mina de S. Domingos e ainda que, se, por acaso, surgirem quaisquer complicações que tornem impossível a sua instalação naquela localidade, procurará fazer construir a fábrica noutro local do concelho, mesmo que para isso seja necessário pôr à disposição da COPAL terreno camarário.
Desde então, algo terá sucedido certamente. O assunto deve entre os sempre eternos e necessários meandros legais. Mas a Mina de S. Domingos espera. E espera confiante.
Admite já como certa a instalação da fábrica de têxteis, que virá solucionar o problema levantado pela próxima cessação da exploração mineira pela firma Mason and Barry. Problema cruciante indescritível. Problema de muitas centenas de indivíduos casados e chefes de família, idosos e estro que terão de procurar nova terra e nova profissão, que terão de abandonar o sítio onde nasceram, onde nasceram os seus pais e os seus avós e buscar num meio diferente, estranho e desconhecido novos hábitos, novos amigos, nova actividade, completamente desprovidos do dinheiro necessário às despesas que surgem necessariamente.
A Mina de S. Domingos com as suas casas branquinhas a escorregar pela torturada terra vermelha ensaia um sorriso de esperança ao ver perto o fim da sua macabra odisseia. Porém, é necessário que essa promessa de felicidade não se esvaia que esse seu sorriso tímido de optimista não esmoreça, mas que florescente se transforme numa gargalhada triunfante vibrando portentosa por todo o concelho.
MINA DE S. DOMINGOS
A Empresa Mason and Barry, concessionária da exploração da Mina de S. Domingos há mais de um século, informou já que até ao fim do corrente ano cessará a sua actividade mineira.
Há muito que esta resolução se adivinhava, mas como nada havia de concreto, existia em cada um aquele FIOZINHO de esperança inatingível e consolador; produto da fuga no problema que surge, do receio de encarar a realidade dos factos. Porém, esse FIOZINHO ténue e piedoso quebrou-se. Parece certo que a Mina vai morrer. O gigantesco dragão do ventre de ouro agoniza. A sua boca e as suas narinas expelem as últimas golfadas de minério. O monstro imortal arqueja moribundo, batendo com a cauda enorme na terra vermelha e estéril e semeando o terror entre os seus matadores inocentes que lhe arrancaram as entranhas.
Há ainda cerca de oitocentos operários que devem a sua vida à Mina, com o magro salário que ainda lhe arrancam que têm de fazer face a todas as despesas de uma família, geralmente numerosa. E, entretanto, os meses passam! O fim do ano aproxima-se!
Este problema deveras delicado foi imediatamente encarado em toda a sua gravidade pelas entidades competentes, que o procuram resolver rapidamente. Assim, a Junta de Emigração, mercê de uma ação imediata do Sindicato, abriu inscrições para vários países da Europa. A Mason and Barry, em colaboração com a empresa das Minas da Panasqueira, colocou nesta última duas ou três dezenas de operários, pagando-lhes as passagens e às suas famílias e ainda o transporte das mobílias. A Mason tem pronta a funcionar uma fábrica de barcos de plástico, acelera a construção de uma fábrica para polimento de mármores e consta que num futuro próximo outra fábrica virá a ser construída. Pessoal desta firma tem sido também empregado nos trabalhos das suas associadas, no Algarve.
Na verdade, é grato ver como todas as Forças se uniram na resolução de um problema tremendamente angustiante.
No entanto, o problema não está totalmente resolvido, pois a Emigração apenas é possível para indivíduos absolutamente válidos e até aos 40 anos de idade; as Minas da Panasqueira, naturalmente, tomam as suas precauções na admissão do pessoal, só admitindo indivíduos até aos 50 anos de idade e depois de submetidos a rigoroso exame médico; e dos oitocentos (mais ou menos) operários que a empresa tem actualmente ao seu serviço, cerca de quatrocentos ultrapassaram já os 50 anos e portanto não têm oportunidade de emigrar ou ir para a Panasqueira,
Nestas condições, não se pode negar que o problema subsiste, e agora na sua parte mais delicada, pois a maioria dos operários da Mina de S. Domingos serão os indivíduos com mais de 50 anos e aqueles que foram rejeitados pela Emigração e pelas Minas da Panasqueira.
Será com eles que a Empresa Mason and Barry pensa por em laboração as fábricas que está a construir?
Ou terá a Empresa, através de cem anos de exploração mineira, constituído um Fundo de reserva para acudir a situações desta natureza?
Se alguma das interrogações tivesse resposta afirmativa parece que o problema estaria resolvido. Entretanto, até ao fim do ano, algumas centenas de pessoas, atentas ao correr do calendário, cada vez que lhe arrancam uma folha, arrancam algo de si próprias.
16 DE AGOSTO DE 1985
Diário do Alentejo
A Câmara de Mértola editou Textos de A. Serrão Martins
Serrão Martins foi um grande revolucionário de Abril numa concepção autárquica do termo, Dizer que a morte o ceifou brutalmente (vão passa dos três anos) quando tanto havia a esperar da sua capacidade de trabalho, do seu lúcido entendimento de como se deve gerir a coisa pública, da sua entrega total à causa da Democracia, à causa do povo do seu concelho, só pode ser considerado um comum de elogio necrológico por quem não lhe foi dada a oportunidade de conviver com o jovem presidente da Câmara Municipal de Mértola. António Manuel Serrão Martins foi um dos mais dinâmicos e clarividentes partícipes na luta pela consolidação de um Poder Democrático no Alentejo e, particularmente, no concelho de Mértola onde desenvolveu obra que em poucos anos mudou o facies, de uma região que o regime anterior votou sistematicamente ao abandono.
Como escreve o diretor do DA», nosso camarada João Paulo Velez, no do livro com escritos dn juventudes de Serrão Martins, agora editado pela Câmara Municipal de Mértola, o falecido presidente daquela edilidade não foi só o que muito dele conhecem: um homem «durante uma sé rie de anos inteiramente dedicado às gentes que ele queria, acima de tudo dignificadas- cidadãos de parte inteiras".
As solicitações de carácter cultural eram também uma constante da sua personalidade. «Era um homem profundamente sensível, recorda JPV-, sempre disperto para captar o pequeno pormenor, registar o que se julgaria escondidos. A beira dos 20 anos colaborava já em jornais, Diário de Lisboa(suplemento Juvenil), «Diário do Alentejo e Jornal do Algarve, nomeadamente. com pequenos contos, apontamentos, crónicas, textos ainda com a marca da infância, dos sonhos de miúdo mas onde aflorava num imaginário povoado de ideais de liberdade e dignidades-tudo isto num tempo de maior opressão e repressão.
E foram esses ideais de liberdade, essa sua rebeldia perante as injustiças sociais quotidianamente sentidas, que leva ram Serrão Martins a escrever, mais tarde, em 1968, o seu diário da guerra colonial que, na análise do prefaciador, é dos mais impressionantes relatos individuais que até hoje lemos do drama colectivo vivido pela Juventude portuguesas.
Só esse extraordinário documento justificaria a publicação do livro, justificaria esta homenagem do pelouro da cultura da Câmara de Mértola. Mas as suas crónicas sobre temas alentejanos, particularmente da sua terra e dessa terra quase fantasma que é a Mina de S. Domingos, juntamente com uma manchela de poemas faziam também falta a este livro (e por isso lá estão), para o completar, para o engrandecer, para que a personalidade do António Manuel Serrão Martins fique retratada como merece.
Textos, de A, Serrão Martins, (edição da Câmara Municipal de Mértola)
Sugestivas ilustrações do pintor seu patrício, Mário Elias, cabendo o arranjo gráfico, composição e impressão à Associação de Municípios do Distrito de Beja,
J. M.