Visita de Afonso Costa

Data: 
1913-01-23
Autor: 
João Nunes

Afonso Augusto da Costa, conhecido apenas por Afonso Costa, foi um advogado, professor universitário, político republicano e estadista português. Visitou a Mina de S. Domingos a 23 de Janeiro de 1913, tendo sido recebido por mais de 4000 pessoas.

Transcrição da Notícia:

O SR. DR AFONSO COSTA NA MINA DE S. DOMINGOS
IMPONENTE MANIFESTAÇÃO, CERCA DE 4000 PESSOAS SAUDAVAM O ILUSTRE VISITANTE

Já passava das 15 horas quando no dia 26 do mês findo se soube na Mina de S. Domingos que havia partido de Vila Real de Santo António com destino aquela Mina, o ilustre estadista Dr. Afonso Costa, e que dentro de poucas horas ali chegaria.
Não se calcula a alegria, o delírio, que de todos se apoderou ao saberem de tal noticia, chegando ainda muitos a duvidar da veracidade dela, mas apenas lhes diziam que quem o havia comunicado era o agente da Empreza Mineira em Vila Real, essas duvidas desapareciam e as poucas horas que faltavam pareciam seculos.
Os foguetes começaram a estralejar, e a povoação dentro em pouco tomava um ar festivo e solene. E como não ser assim? O Sr. Dr. Afonso Costa, o grande estadista, o ídolo daquela gente, de nós todos ia dar-lhes, de surpreza, a honra, a grande honra, de uma visita!
Os. srs. Willian Nevile, administrador geral da Mina, e sr. Marriot Clinch, chefe do caminho de ferro, dirigiram-se ao Pomarão a esperar o grande português e a sua comitiva, e ali lhes ofereceram, no magnifico palacete da Empreza, um chá, partindo a seguir para a Mina onde chegaram cerca das 19 horas.
Não se calcula, é impossível descrever o entusiasmo, a loucura, que de todos se apoderou ao ouvirem os silvos da locomotiva que conduzia a carruagem onde vinha o ilustre visitante. Os vivas ineterruptas: ao Sr. Dr. Afonso Costa, à Republica, à Patria, ao autor da Lei da Separação, ao grande patriota, etc.
O comboio entrou nas agulhas, a filarmonica executa o hino nacional, que mal se ouve, de todos os lados se vêem subir foguetes, de todas as bocas saem entusiasticos vivas, e toda aquela enorme massa humana, composta de cerca de 4:000 pessoas, se atira para a carruagem na ancia de ver qual será o primeiro que terá a glória, a suprema ventura de ver o sr. Dr. Afonso Costa, essa grande figura que eles todos tanto veneram!
Supérfluo será dizê-lo que a custo o grande estadista conseguiu romper aquela enorme massa que o aclamava e que o vitoriava, não podendo por isso cumprimentar logo ali os seus numerosos amigos.
Foi com grande dificuldade que s. exª e a sua comitiva poderam chegar ao palacio da Empreza de cuja porta falou ao Povo. Nesse discurso saudou s. exª todos os operarios e ao mesmo tempo a empreza mineira como cumpridora dos seus deveres, acatando, sem reluntancia, as Leis da Repubilca, de que fez uma breve resenha, terminando por levantar vivas á Patria, á Republica, ao Povo da Mina de S. Domingos e â Empresa da mesma, que delirantemente foram correspondidos.
O sr. dr. Afonso Costa e a sua comitiva recolheram aos seus aposentos que lhe haviam sido destinados no palacio, indo todos pouco depois jantar na companhia dos chefes inglezes, que foram duma cativante amabilidade para com os visitantes.
A filarmonica tocou antes do jantar, no pateo do palacio, alguns trechos do seu reportorio, agradando imenso.
Depois do jantar o sr. dr. Afonso Costa manifestou desejos de falar aos seus correligionários e receber as comissões, e o sr. Nevile alvitrou que para isso seria melhor dirigirem-se ao teatro, o que se fez. Ali lhe foram apresentados a s. exª muitos dos nossos correligionarios com quem o sr. dr. Afonso Costa trocou impressões, tendo todos ficado muito penhorados com as amabilidades de s. exª.
A pedido dos chefes inglezes fez depois o sr. dr. Afonso Costa uma conferencia, a que s. exª chamou palestra de cumprimentos, e que muito agradou a todos que o ouvira.
Terminada a conferencia recolheu S. exª ao palacio onde pouco depois foi cumprimentado pelo nosso director e pelos srs. Eugenio Silva, António Francisco Martins, António Colaço, José Pereira da Costa, João Valentim Branco, e outros nossos correligionários que desta vila haviam partido apenas aqui se soube da visita de S. Exª. Ao nosso director, com quem o sr. dr. Afonso Costa se demorou um_pouco trocando impressões, disse S,Exª que o comovera tanto o entusiasmo daquele Povo e a prova de confiança que nele deposita que os olhos se lhe marejaram de lágrimas, e que se já tivesse alguma vez vacilado perante qualquer obstáculo teria aprendido agora com este Povo a vencer todas is dificuldades. Que não lhe restava a menor duvida de que tínhamos ali um grande baluarte composto de Soldados sinceros e de patriotas dedicados, que nada mais ambicionam do que o bem estar geral o progresso da Republica. Foi visivelmente comovido que S. Exª nos fez estas afirmações.
Foi depois o sr. Afonso Costa convidado a visitar esta vila, respondendo-nos S. Exª que muito desejaria ser-nos agradavel, mas que, por motivos que se dignou explicar-nos, de todo lhe era impossível satisfazer agora o nosso pedido, prometendo-nos contudo que em Abril nos visitaria pois desejava então demorar-se dois dias entre nós; e foi assim com o sorriso nos lábios e com um apertado abraço que S. Exª nessa noite se nos despediu.
No dia seguinte ás 7 horas da manhã já o sr. dr. Afonso Costa estava a caminho da contramina onde baixou visitando alguns trabalhos mais importantes, ficando para uma visita mais minuciosa quando ali voltar em Abril, proximo. Regressou depois ao paIacio onde, com a sua comitiva tomou uma ligeira refeição e ás 9 1/2 horas já o ilustre visitante estava a caminho da casa da Balança onde tomou logar na carruagem que a seguir os conduziu ao Pomarão; tendo sido alvo duma calorosa ovação durante todo o percurso do palacio à Balança, onde se aglomerava uma enorme multidão, que ali se fôra despedir do seu ilustre visitante, indo acompanha-lo até Pomarão o sr. Marriot Clinch e os nossos prezados correlegionários e amigos srs. Eugenio Silva, notario nesta vila; João António d`Almeida, alferes da guarda fiscal; António Feliciano Gil e António Francisco Martins respetivamente presidente e vice presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal deste concelho, António Inacio Capelo, vereador da mesma Câmara, Felipe Augusto Zarcos, industrial; Francisco dos Santos Peneque, ajudante do Registo Civil em Sant'Ana de Cambas, um outro nosso correligionario de Sant'Ana de Cambas de quem não sabemos o nome, e o nosso director.
Durante todo o percurso da Mina ao Pomarão foi sempre o sr. dr. Afonso Costa muito aclamado pelos operarios e pelo Povo que se achava disperso pela linha. Em cima da igreja de Sant'Ana de Cambas vimos um grupo de operarios acenando com os chapéus; para a carruagem que conduzia o glorioso autor da Lei da Separação, e chegados à altura ali vimos uma numerosa assistência, na sua maioria mulheres e crianças, que como seus maridos e pais não podiam abandonar os trabalhos ali se achavam como que a representa-los.
E dessa numerosa assistência saiam ineterruptos vivas á Pátria à Republica, ao sr. dr. Afonso Costa, etc.
O nosso director tendo visto entre os assistentes a cidadã Ana Maria Horta, uma verdadeira republicana, que ainda não ha muito tempo lhe havia pedido que desejava um dia que o nosso director lhe preparasse o ensejo de poder abraçar o sr. dr. Afonso Costa, foi buscal-a e apresentando-a ao ilustre estadista, transmitiu lhe as palavras da apresentada, abraçando-a sua exª visivelmente comovido.
No Pomarão onde chegamos pelas 10 e meia horas viam-se içadas, no palacete da Empresa, a bandeira inglesa; no escritório, a bandeira nacional e na Sociedade Recreativa, a bandeira daquela colectividade.
Ás 11 horas, depois das despedidas, embarcava S. Exª no vapor em que havia vindo na vespera fazendo-lhe os operários e o Povo uma calorosa manifestação de despedida do cais em que se aglomeravam, correspondendo S. Exª até o vapôr desaparecer na volta que o rio faz.
Depois duma visita pelo Pomarão e depois de termos tambem visitado a cooperativa daquela localidade que, digamol-o de passagem, achamos otimamente montada, regressamos à Mina de S. Domingos onde chegamos pouco depois das 12 horas.
Antes de partirmos para Mértola quíz o nossso correligionario e prezado amigo sr. Antonio Gregorio Geraldo Dominguez que nós assistissemos a um copo de agua que teve delicadeza de nos oferecêr, e que aceitamos. A ele assistiu uma grande quantidade de correligionario usando da palavra o nosso director e os nossos presados correligionários e amigos srs. Eugénio Silva, Manoel Dionizío, José Maria Costa e José Guerreiro.
Quando passamos Morianes foi o nosso director convidado a fazer urna palestra no Centro daquela localidade, mas como era já tarde e alguns dos seus companheiros de viagem não podiam demorara-se mais, sem graves transtornos, ficou assente, depois de o nosso director apresentar as suas desculpas, voltar ali muito em breve satisfazer o desejo dos seus amigos.
Notas:
- O sr. Afonso Costa na sua visita á Mina de S. Domingos, fazia-se acompanhar por suas Ex.mas Esposa, filha e sobrinha por seu irmão sr. Artur Costa, e pelos srs. Dr. Germano Martins, Ribas d`Avelar, Dr. Pontes, Conservador do registo Civil em Faro, Dr. Adelino Furtado, Governador Civil do Algarve, e Dr. João Dominguez Mendeiro, advogado, notário e presidente da Camara Municipal de Vila Rial de Santo António.
- Á porta do palacio da empresa falou depois do sr. Dr. Afonso Costa, o nosso presado correligionario e amigo sr. Joaquim Apolinarío da Costa Neves, professor de ensino livre, e presidente da Comissão política local.
- Foi apresentar os seus cumprimentos ao ilustre chefe do Partido Republicano Portuguez o sr. Dr. António Maurício de Vargas, que milita no partido unionista, sendo porém muito louvavel a sua atitude perante o sr. Dr. Afonso Costa.

»» Artigo de jornal da época relatando a visita à Mina de S. Domingos (cedido pelo João Nunes)

Partilhar