Documentos para a História da Mina de S. Domingos – o Relatório do Geólogo Carlos Ribeiro

Ano: 
1999
Autor: 
Custódio, Jorge
Editor: 
Campo Arqueológico de Mértola
Descrição: 

RELATÓRIO DE CARLOS RIBEIRO:

Mina de Cobre da Serra de S. Domingos no Conselho de Mertola"

Um dos jazigos metalliferos da Peninsula Hispanica, o mais vasto, e o mais notavel pelo complexo de seus caracteres peculiares, é sem duvida aquelle a que pertencem as minas de cobre de Rio Tinto e de Alosno em Hespanha, Serra de S Domingos, Aljustrel, e Grandola em Portugal. Conhecido e trabalhado este jazigo pelos fenicios, e depois pelos romanos. como o prova a authenticidade de muitos despojos da industria destes celebres povos, que juntamente com diversas medalhas se teem encontrado em Rio tinto, Tharsis, etc é aos grandes trabalhos por eles executados /fol.1/ e ás immensas extensões superficiaes occupadas por infinitas colinas d'escorias, que os povos modernos devem o conhecimento desta grande zona metallifera atravessando as provincias de Huelva, e do Alemtejo, n'uma extensão de 35 a 40 legoas.

O viajante que percorrer os pontos desta vasta zona onde existem os antigos traba- lhos, e interrogar a forma e caracter, a posição e extensão das excavações; a natureza e posição, [segundo a sua posição] das escorias; a formação recente dos estractos tufaceos nos leitos dos arroios contiguos ás escavações: e os restos da industria humana que com frequência se encontrão nas excavações e na superficie do sólo adjacente, não fol.1v só ficará surpreendido da immensa actividade industrial e da [sua] illustrada civilização (daquelles povos) mas conhecerá que todos (os) 10 trabalhos) das minas estabelecidas sobre esta grande zona pararão com a queda do império romano, e como que a um mesmo signal: e, consequencia das invasões, das querras, do fanatismo, e da ignorancia, succederão-se as gerações umas as outras desde aquella epocha historica até aos tempos modernos, sem que as expressivas e vehementes denuncias da existencia deste grande jazigo, e os irrefragaveis testemunhos do grande beneficio que déra a sua lavra [áquelles antigos povos] Thes despertassem a attenção e a cubica.

Foi no meado do seculo passado que pela primeira vez, e depois de 13 seculos d'abandono, que em Rio tinto se estabelecerão os primeiros trabalhos para o aproveitamento do cobre, e com taes auspicios, que desde então teem continuado sempre n'uma rapida progressão; e hoje augmentados e desenvolvidos em mui larga escala, tornou-se depois d' Almaden o primeiro estabelecimento metallurgico de Hespanha. Ainda assim, não obstante este exemplo vivo e trisante decorreo um seculo sem que fossem explorados os trabalhos antigos dos outros pontos da zona. e foi só (agora)" que o signal d'alarme (se ouvio) e que comessou a lavra e a exploração das minas de Caleños, Sant'elmo, Tharsis, Vuelta falsa na fol.2v provincia de Huelva; e em Portugal se estabelecerão as explorações d'Aljustrel, e de S. Domingos. Como seja porem o objecto principal desta memoria dar conta das condições do jazigo na serra de S. Domingos, restringire a esta localidade (a descrição que passo a fazer)

A mina de cobre da serra de S. Domingos no Conselho de Mertola demora a 17 Kilometros a E NE desta Villa, e a 3 kilometros recolhida da margem direita da ribeira da Chança que limita a fronteira Hespanhola. O jazigo aflora em uma pequena montanha denominada serra de S. Domingos disposta de O NO a E SE na extensão de 800,0 m: é limitada poente pelo valle por onde corre o ribeiro do Pego da Sarna, e fol.3/ ao Nascente por uma depressão do solo onde está practicado o caminho que vai da Corte do Pinto para Santanna: do lado do Norte descahe muito rapidamente para um barranco que a separa da montanha de Valle de Cambas, e pelo Sul estende-se com uma aba muito menos incli- nada até ao corrego do Valle de Chabocaes que lhe fica a uns 400,0 m. de distancia, e a separa da montanha longitudinal conhecida pelo nome de serra de Chabocaes.

Deste modo a serra de S. Domingos apre- senta-seisolada por todos os lados n'uma posi- ção analoga á das crateras d'elevação, tendo na sua parte mais culminante uns 100,0 m. de largura /fol.3v e quarenta d'altura media sobre os pontos mais baixos do terreno adjacente mostrando d' uma maneira evidente que foi levantada pela força impulsiva da massa metallifera que forma o seu nucleo.

As rochas da localidade constão de schistos sub luzentes, schistos argilosos e talco-sos, grauwakes e quartzites pertencentes a duas formações differentes, mas contem- poraneas e d'antiga data. Os porphyros e as diorites afflorão tambem em differentes pontos modificando consideravelmente as rochas schistosas com especialidade os por-phyros que se appresentão com mais frequencia e (relações) mais directas e definidas com o jazigo metallifero: o caracter porem das rochas envol/fol. 4/ventes do jazigo apre-senta uma consideravel differença comparado com o das rochas das mesmas formações situadas a pouca distancia. Ali uma parte dos schistos estão reduzidos a jaspes de cores variadas e a rochas procelanizadas segundo predomina al silex ou a argila, e passando umas e outras rochas d'aspecto terroso mais ou menos incoherentes com cores branca e amarelada. outra parte tornou-se porphyroide de cor avinhada, mas conservando a structura schistoide ainda que não bem definida; outra porção contemporanea do jazigo converteo-se n'um schisto brechiforme com grossos fragmentos de grauwake branco listrado em gradelem, e fragmentos de shisto argiloso magneniano, uma ou/fol.4v/tra apresenta-se com cores clara e avermelhada embebibas de ferro suroxidado, e atravessado por venulos ou laminas de ferro hematitico; ve-se ainda do lado do Norte, e formando por este lado o
costado do jazigo uma lamina ou placa mui possante com o aspecto de conglomerado composto de fragmentos de diversas gran- dezas de rochas quartzo-argilo-ferruginosas, predominando porem (diversas) massas reni- formes, umas de jaspe verde e amarelo escuro muito ferrifero com fragmentos de quartzo e d'outras rochas, simulando os caracteres de tuto, outras de ferro oligistico passando a quartzo jaspe, e todos ligados por uma pasta vermelha ferruginosa. As quartzites schistoi- des, ou antes os schistos muito endurecidos, é outro acidente /fol.5/ mineralogico que se dá nas rochas envolventes, mas em pontos já algumas centenas de metros afastados do jazigo, como por exemplo no Cabeço das Bicadas, no Serro do Valle de Cambas, e n'outros sitios. Finalmente junto à massa metallifera, (pela parte) mais septentrional, e encostado ao minério, mostra-se um schisto cinzento anegrado aluminifero (do qual já ouvi dizer que era betuminifero) identico a outro que também se encontra semelhantemente disposto na mina de Tharsis.

Esta profunda alteração nos caracteres das rochas, não se dá em mais parte alguma senão na contiguidade dos affloramentos metalliferos: todavia as rochas que ocupão a zona d'acção das errupções metal/fol.5vifera manifestão uma alteração mais ou menos pronunciada na (sua) dureza [das outras rochas], umas passando a quartzites, outras perdendo a sua cor e structura, e passando a rochas maciças averdoengadas, outras em fim apresentando-se infiltradas d'oxido de ferro e abundante silica.

A parte envolvida pelas rochas protun- damente metamorphicas de que acabei de dar noticia, é a pyrite de ferro e cobre que constituem a parte util do jazigo, mas a qual não se manifesta à superficie do sólo (com excepção de um affioramento que vi em um pequeno poço em S. João do Deserto; onde a pyrite está à superficie. do solo) se não por uma rocha de caracter argiloso em parte pouco coherente muito /tol.6/ vermelha pela superabundancia do peroxido de ferro, ou por largos affioramentos deste mesmo oxido, mais ou menos impuro, e pelo ferro hematitico.

No sentido do comprimento, ou da direcção ha dois affloramentos de desigual extensão superficial, e que passarei a indicar. O que está ao Poente manifesta-se na margem direita do ribeiro do Pego da Sarna, apresentando à superficie do sólo um affloramento de massa ferruginosa de 60.0 m. de largo por uns 30 e tantos de comprido: esta massa posto não ter sido ainda explorada, não deixa com tudo a menor duvida de que representa uma porção maior ou menor de pyrite ferrica e cuprica: para o Nascente é o perlongamento deste affloramento representado na /tol.6v extensão de uns 200.0 m. por uma larga massa de jaspes e de schistos procelanizados e ferruginosos, que denuncião bem a continuidade subterranea da massa metallifera naquelle sentido.

O affloramento do Nascente é incomparavelmente muito mais importante: a parte visivel, continua, e bem definida à superficie do sólo, e onde os antigos estabeleceram os seus trabalhos de lavra, conta 600.0 m. de comprimento: os indicios porém do perlongamento do jazigo continuam até à encosta do Cabeço dos Bicados onde se veem ainda dois poços romanos, e se descobre no desentulho o schisto cinzento anegrado alumnitero que encosta á parte metallifera do jazigo; e se não são tão desenvolvidos como na par/fol.7/te central, garantem com tudo a continuidade subterranea do jazigo neste sentido a maior ou menor profundidade de modo que se medir-mos a extensão em direcção occupada por estes affloramentos ter-se-á um comprimento total de 1.100,0 m. Pelo que toca à largura maxima occupada pelo jazigo, compreendendo a parte util e a esteril, é de 300,0 m. tomada na parte central. Nesta largura observão-se trez massas paralellas á direcção geral do jazigo tendo todas os mesmos caracteres mineralogicos, e achando-se afastadas a segunda entre 10 e 35,0 m. da mais septentrional, e a terceira ou mais meridional, afastada da segunda entre 30 e 35.0 m.: porem as larguras par/fol.7v/ciais de cada um dos affioramentos, com especialidade as do 2a e da 3a massa, são muito variavels e dificeis d'estabelecer uma media, o que até certo ponto não é de necessidade principal: tanto mais porque é fácil de compreender que estas massas não podem ser distinctas, e ao contrario todas as razões e factos levão a supor que as rochas que occupam os intervalos das trez massas são, conjunctamente com os costados das mesmas massas, cunhas estereis que interrompem a parte metallifera do jazigo até uma certa extensão em profundidade: e só podem ser concideradas estas cunhas para o objecto (dos trabalhos) d(e) lavra. A parte util do jazigo, e que sería mais importante conhecer, não está porem explora/tol 8/da ainda de modo a poder formar-se um juizo aproximado da sua possança em um qualquer ponto do mesmo jazigo; o que se tem podido averiguar pelos póços antigos e ultimamente retomados. é que a parte puramente metallifera da massa mais setentrional, tem uma largura ou possança conhecida de 25,0 m. no poço nº 1, a 40.0 m., entre os poços nº 5 e Sta. Barbara, sem que ainda se tenha tocado os costados ou salbandas em ambos os lados do jazigo, (em toda a extensão longitudinal do jazigo), e ficando para o Norte do poço de Sta. Barbara, quarenta e tantos metros [de jazigo] ainda não explorado. mas onde os antigos tiveram trabalhos de lavra: de modo que no sitio denominado Curral do Concelho, não será mara/fol 8v/vilha se a parte superficial do minerio apresentar (na massa septentrional) uma possança de 60 a 70.0 m. [na massa septentrional].

A forma do jazigo, a sua estructura e composição offerecem uma diferença tal dos jazigos regulares que se distinguem à primeira vista. Com effeito examinando a disposição das camadas envolventes reconhece-se que do lado septentrional estão levantadas de 60 a 80,0 m. para N. NE, e que as do lado opposto e correspondentes
á massa do lado do Norte, inclinão com iguaes angulos par o S. SO. affectando d'ambos os lados uma ligeira curvatura em forma d'abobada cujo feixe, ou linha sinclinica desapareceo no acto da errupção, ou pela denudação, ou pelos trabalhos de lavra antiga; e que os tópes destas camadas afastadas /fol.9/ de perto de 100,0 m. na parte central daquella massa, juntão-se a Nascente e a Poente nos extremos dos affloramentos do jazigo, formando assim uma brecha, ou um rasgamento na parte superficial do sólo, como se tivesse sido aberto pela immersão de uma massa que na parte superior tivesse a forma de um meio ellipsoide alongado: e na verdade a immersão da massa metallifera actua mechanicamente do interior para a superficie sobre as rochas envolventes d'um modo inteiramente semelhante aquelle por que se manifestão as errupções centraes das rochas troppicas; como o demonstra a disposição do accidente que affecta as camadas envolventes encurveadas em forma d'abbobeda sobre a massa /fol.9v metallifera, como já observei [: fenomeno que se nota em]. Em Tharsis, [em] S. Domingos, e em Aljustrel (reproduz-se este fenomeno de um modo absolutamente identico). A analogia entre a errupção destas massas metalliferas, e aquella das massas tropicaes torna-se mais notavel e significativa comparando os fenomenos de stuctura das rochas emmergidas e envolventes em ambas as cathegorias: assim n'uma errupção dioritica que atravessa as camadas sedimentares observa-se a rocha envolvente mais proxima da rocha ignea infiltrada da substancia desta ultima rocha, e com a sua stuctura alterada no contacto; infiltração que diminue com a distância, [e] bem assim a alteração da structura: semelhantemente se observa em S. Domingos, Tharsis, Vuelta falsa, etc. onde a rocha envolvente /fol.10/conservando a sua structura schistoide, começa a carreger-se de pyrite, até que proximo da massa metallifera tem perdido aquella structura e tomado a structura prismatica convertendo-se em pyrite ferrica e cuprica propriamenta dita até que o nucleo da massa oferece uma (estructura) inteiramente maciça semelhante à das rochas igneas, isto é, uma divisão polyedrica ou prismatica de forma irregular [sem uma cristalização] e que pode ser desmontada ou lavrada do mesmo modo porque se lavra uma pedreira de granito, como esta acontecendo actualmente em Tharsis onde 1.800 operarios trabalhando a ceo aberto arrancão diariamente 350 toneladas francesas de minerio. Não ha neste jazigo portanto structu/fol.10v/ra por fachas ou placas, não ha gangas interpostas na parte metallizada, (não ha cristalisações), não ha nada em fim disperte a mais remota idea: d'um filão. Se se examina a composição do minerio, não se deixa menos ver quanto este jazigo se afasta do commum dos outros jazigos aqui não aparece um cristal, uma massa pura de qualquer dos sulfuretos metallicos, ou uma distribuição destes sulfuretos n'um (sic) certa ordem e em certos lugares; a pyrite de ferro é a parte integrante do jazigo, e n'ella está distribuido o cobre em proporções variadas de 1 a 4, e tambem 10, e mesmo 30%, mas o mais commum é de 2 a 6%: a maior proporção do cobre está no estado pyritoso de mistura com a pyrite ferrica: mas aparece também /fol. 11/0 cobre sulfurado, a cuvilina, o cobre gres, e o oxido negro de cobre, mas n'um ou n'outro ponto, e sem importancia industrial: a silica que nas outras especies de jazigos se mostra cristalizada e em massas separadas formando a matriz ou ganga da parte util dos minerios, aqui está dissiminada pela pyrite. perceptivel unicamente nas reacções-o arsenico e o nickel teem sido encontrados pelos chimicos empregados nas minas de Vuelta falça e de Tharsis, e muito provavelmente devem estas substancias tambem existir no jazigo de S. Domingos, mas não se sabe ainda o estado em que aquellas substancias se apresentão na massa pyritosa: em fim a blenda mostra-se com frequencia mas implantada em lamelas nas /fol. 11v superficies das fendas de estalado da pyrite, mostrando assim não só ter sido o ultimo sulfureto emmitido (?), mas ter-se insinuado e cristalizado posteriormente á formação e ao resfriamento da massa metallifera do jazigo, unica substancia com apparencia de cristalização que aqui se observa.

Se se comparão os caracteres fisicos do minerio entre as minas de S. Domingos, Vuelta falça, e Tharsis, com relação à provavel riqueza do mesmo minerio em cobre, reco-nhece-se que em S. Domingos ha muito maior quantidade de pyrite corada em um negro azulado nas fendas de retracção, cor que com frequencia mancha o interior da pyrite, do que nas outras duas minas: coincidindo este fenomeno com uma contextura gra/fol.12/nular de grão fino, e de uma cor de pyrite mais escura do que outra pyrite que não está revestida de inducto anegrado; e como é esta a parte do minerio que segundo as analyses em Vuelta falça, dá mais percentagem, poder-se-á crêr que a mina de S. Domingos leva vantagem ás duas outras nomeadas, ao menos na região superior do jazigo

Para completar a resumida idea dos factos mais notaveis que respeita a este jazigo, acrescentarel que no Valle do Pego da Sarna ha uns stractos de 1 a 2,0 m. de possança de conglomerados formados de fragmentos de rochas schistosas da localidade ligadas por uma pasta de preoxido de ferro, evidentemente devido à da substancia ferruginosa /fol. 12v/da parte superior do jazigo; estractos que igualmente s' apresentão não só nos. jazigos destas grandes zonas das Provincias de Huelva e Alemtejo, como em Rio tinto, Tharsis, S. Domingos, Aljustrel, Grandola, etc., mas tambem na Beira alta em um jazigo analogo nos sitios do Pintor e Pindello no Concelho d' Oliveira d'Azemeis [como outros muitos que se encontrão no centro e Sul do Alemtejo, e na Provincia de Alemtejo e os quais fizerão (?) com os porphyros e as diorites um importantissimo papel na determinação do accidentado relevo do Sul da Provincia Hispanica]

Sobe a cincoenta o numero de póços que os antigos abrirão sobre o jazigo da Serra de S. Domingos, e quasi todos praticados na massa mais septentrional: estes poços atravessão uma /fol.13/ massa vermelha ferruginosa que cobre o minerio, d'espessura ainda não bem determinada, mas que excede a 10.0 m.; e tão consistente é esta rocha que não obstante a idade de 15 a 20 seculos que teem os póços, não se reconhece desmoro- namento algum nas suas paredes.

Estes poços, em geral de um metro quadrado de secção pouco mais, forão abertos em toda a extensão do jazigo do Poente a Nascente, e a maior parte d'elles aos lados do mesmo jazigo ou encostados ás rochas que servem de salbandas; e por via de regra não se vê um poço que não tenha (outro) mui proximo, ou afastado quando muito entre 1 a 2,0 m.

Os novos trabalhos d'exploração encetados ha pouco mais d'um anno, embora tenhão sido feitos com gran/fol.13v/de vigor empregando 50 operários diarios, ainda não puderão pôr a descoberto grande numero de galerias, e mostrar qual foi a extensão da antiga lavra. O que se mostra já é que a lavra fez-se em um só andar por galerias e pilares, e que os vazios erão cheios com terras levadas do exterior, as quais segundo creio erão extrai- das da rocha vermelha esteril que forma o afloramento do jazigo, não só por serem as mais próximas, como por que só assim é que se podem explicar os grandes cortes e exca- vações a ceo aberto feitos na mencionada rocha esteril. Pode porem supor-se que essa lavra foi muito desenvolvida para justificar a presença dos grandes volumes de escorias que cobrem as superficies adjacentes. No entanto a este mesmo ni/fol. 14/vel deixarão os antigos grandes porções de jazigo util, e proporcionalmente muito rico.

Daze são os poços que se teem desen- tulhado, até ao encontro do minério e das galerias antigas, à profundidade de 30 e 33.0 m. da superficie de sólo, e por onde se tem conhecido que a antiga lavra não desco alem desta profundidade, e a qual se acha ao nivel do barranco que serve de leito ao Ribeiro do Pego da Sarna que passa próximo do jazigo, sendo para este barranco para onde se fazia o esgoto dos trabalhos por uma galeria que communica para o exterior sobre um pequeno barranco que conflúe com o do Ribeiro do Pego da Sarna.

O projecto d'exploração adoptado pelo interessado, é communicar os pó/fol.14v/ ços nº 4 e 5. S. Carlos e Sta. Barbara no Curral do Conselho por meio de galerias abertas na parte virgem da massa metallifera, e preparar assim um campo de lavra. Creio porem que este pro-jecto será modificado no futura, e (se) seguirá aquelle (da lavra em ceo aberto) que já está adoptado para a Mina de Tharsis na provincia de Huelva, tanto por serem os mesmos interessados e os mesmos engenheiros nestas duas minas, como por que as condições dos dois jazigos são muito semelhantes. Desta forma aproveitar-se-á o integral de todo o minerio [cujo volume] até 100.0 m. de profundidade, 60.0 m. de possança media, e 600.0 m. de extensão, (o que dara) um volume de 3.600.000,0 mc, ou 172.800.000 quintaes metricos, admitindo a gravidade especifica de 4.8. E para fazer o es/fol.15/coamento desta enorme escavação poder-se-á communicar desde o começo da lavra por meio de um poço vertical e uma galeria subterranea com a ribeira da Chança, que passa a 3 Kil, pouco mais ou menos ao Nascente, e a um nivel mais baixo, maior de 100,0 m. E supondo uma extracção diaria de 5000 qq. metricos durará esta parte da região superior do jazigo 90 a 100 annos. Devendo porem advertir-se que os caracteres exteriores das massas metalliferas indicam uma possança muito maior, uma extensão linear também superior á que acima tomei, (tanto mais) que a hypothese da continuidade em profundidade dos jazigos desta natureza e a dos jazigos de contacto, ainda não foi impugnada pelos factos, não obstante as grandes profundidades a que fol 15v se tem descido com os trabalhos de lavra.

A communicação deste jazigo com o Guadiana, abaixo de Mertola, por meio d'uma galeria tunnel de 12 a 15 Kil. seria d'uma incalculavel vantagem, por que alem de servir o jazigo à profundidade de 200.0 m. pelo menos, e de ser um meio prompto que poria o minerio em communicação directa com o Occeano por intermedio do Guadiana, e estabelecendo um canal de navegação no tunnel entre o jazigo e aquelle rio, atravessava uma zona de terreno metallifero, onde com muita probabilidade encontraria, entre outros jazigos, os filões plombiferos do Chumbeira, Picon(tos) etc., e que podia immediatamente lavrar nas melhores condições possíveis: mas será industrial e commercialmente possivel e /fol.16/ prudente practicar uma semelhante obra, tendo de cortar rochas d'uma extrema dureza e em grandes extensões, como parecem os grauwakes e schistos endurecidos infiltrados de diorite, e tão refractarios como esta rocha ? De certo que não serão os actuals Interessados que se prestem a abdicar uma parte dos grandes lucros que estas minas devem dar, em proveito dos futuros interessados, uma vez que possão montar o estabelecimento em condições economicas differentes: um carril de ferro de 20 Kilometros que communique a mina de S. Domingos com o Guadiana abaixo de Mertola, e a galeria de desague de 3 Kilometros sobre o Chança, talvez resolvão a questão de uma maneira mais economica, pelo menos /fol. 16v/ para os primeiros periodos de lavra.

Pelo que respeita ao tratamento do minerio, isto é a calcinação ao ar livre, que como se sabe é feita em Rio tinto com o matto e o proprio enchofre da pyrite; para esta opperação pode o concessionario da mina fazer a acquisição dos terrenos precisos para crear os mattos necessarios, que os ha ali em abundancia e por baixo preço; e estabelecer os tanques de lavagem e de cimentação nas proximidades do local da mina aproveitando as aguas dos arroios proximos, e fazendo a exploração das que faltarem para soccorrer no estio o entretenimento destas opperações. Os produtos deste primeiro tratamento podem ser commerciados, ou então beneficiados em Va. Real de Santo Antonio no Algarve, onde poderão mon/fol. 17/tar-se os formos de tratamento dos mattos e de refinação, podendo ali, por ser um porto de mar, receber o carvão mineral necessário para estas opperações, o que aliás não ha no local da mina, nem tão pouco aguas para as forças motrizes que é necessário empregar para vento de 20 fornos pelo menos movimento de maquinas etc.

Dos 5.000 quintaes metricos d' extracção diaria, poder-se à obter o minimo 2% de cobre fino, o que dará 10.000 Kilogrammos de cobre diarios: orçando o preço deste cobre no mercado a 400 Rs. por Kilog. será o valor da extracção diaria 4.000$000 Rs, ou 1.440.000S000 Rs. annuaes.

Se supozer-mos os gastos da lavra, extracção, calcinação, e mais benefi/fol. 17/ cio: maquinas, caminhos, transportes, administração, e giro do capital em 1.000.000$000 Rs. annuaes, ficará um liquido de 440.0005000 Rs. annuaes: e par a renda que o Estado deve perceber, supondo um liquido de 600 contos de reis, livre de despesas de transporte, d'administração, juro do capital etc., deverá o importe de 5% subir a proximo de trinta contos de reis.

A lavra desta mina pode montar-se regularmente com uma somma até à quantia de 40.000S000 Rs.. (lembrando-nos que ella é immediatamte prudente). circunscrevendo os limites da lavra a uma extensão pequena, e fazendo-se a condução do minerio ustulado as costas de cavalgaduras para embarcar em Mertola: alargando porem as dimensões do estabelecimento aquela somma pode ir até 400 con/fol.18/ tos, os quaes dentro em pouco devem ser amortizados com a rapida produção de minerio.

Uma das obrigações que deve impôr-se à concessão desta mina, é o estabe lecimento e conservação d'uma floresta que não só assegure as lenhas, e madeiras para a ustulação do minério, construção de máquinas e aparelhos, e entivação, mas que produzão o combustível que se julge necessário à redução do minério, na suposição que era tratado no local e com o combustivel vegetal (e para o uso domestico da população mineira). Se o produto destas florestas não for todo consumido no estabelecimento, encontrará útil e mui vantajoso emprego nas outras industrias, logo que a facilidade de communicação reduza os preços do transporte, e de S. Domingos para Mertola se conclua o caminho que à a /fol. 18v/ fazer por conta da empresa.

Terminarei propondo para esta mina a seguinte demarcação. Do cume do serro do Pego da Sarna marcado na planta com a letra A. tire-se uma linha recta para o alto do serro do Valle de Cambas marcado com a letra B: una- se este ponto com o ponto C situado no alto do cabeço dos Bicados, e daqui tire- se uma linha recta para o Alto de Chabocaes marcado na Planta com a letra D: Junte- se este ponto por recta com o Alto do Valle da Matta marcado com a letra E; e d'aqui tire-se outra recta para o signal que está na montanha da Herdade da Careta marcado na planta com a letra F: juntando este ponto por uma recta com o ponto de parte da A, ter-se-á um polygono de seis lados que compreenderá o espa//fol.19// ço que deve reservar-se para esta concessão.

Lisboa 12 de Agosto de 1857 §

//fol. 19v/

Carlos Ribeiro

[Seguem-se as duas Plantas original e cópia]

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